Um outro modo de construir políticas de comunicação e cultura
Résumé
Cet essai se propose à expliquer les processus de l’action culturelle de groupes et des mouvements sociaux face aux politiques publics de l’Etat, même étant d’une cohésion sociale fragile. Il s’agit de comprendre comment se produisent les médiations populaires capables de « tourner comum » – de communiquer des projets des agences gouvernamentaux centralizateurs et comment on pourrait les tourner accessibles aux mouvements sociaux.
C’est une perspective de travail qui se preoccupe de la construction d’un esprit en faveur de la lutte pour la terre, le toit, la connaissance, le travail et la transparence des choses de la polis. L’étude cherche révéler et demonstrer un procès de répresentation symbolique en lequel la culture e la communication se construisent comme centralité. La communication et la culture s’organisent comme des supports des biens publics de l’infrastructure sociale. Cette grammatique culturelle a été identifiée au travail des milliers de personnes et des centaines d’institutions au Brésil qui ont developpé et preparé un agenda national pendant les années 2003-2005 ensemble avec le Ministère des Villes du Brésil. L’auteur de cet essai a été observateur-participant des conferênces du Conseil National des Villes realizées et a été élu por representer et soutenir les travaux de systématisation des propositions d’action.
Em português
Résumé en portugais
Este estudo busca explicar como se processa a ação cultural de grupos e movimentos sociais em face de políticas público-estatais. Trata de compreender como são produzidas mediações populares capazes de tornar comuns – comunicar – projetos de agências governamentais centralizadoras e revertê-los aos movimentos sociais. Com vistas a construir um campo de sentidos favorável às lutas por terra, teto, conhecimento, emprego e transparência nas coisas da polis, este trabalho busca revelar e demonstrar um processo de representação simbólica em que a cultura e a comunicação se constroem como centralidade a serviço de bens públicos de infra-estrutura social. Ainda que precário e provisório ( como a vida insegura que se oferece à grande maioria da população do planeta), o processamento cultural-comunicacional da ação política constitui mínimos consensos políticos e faz ver certa estética nos discursos e práticas. Essa estetização da política constrói ritos com vistas a alguma perenidade do empreendimento político. Outra conseqüência é que as próprias políticas de cultura e comunicação podem ser construídas, pela primeira vez a partir do chão da realidade popular. Neste estudo, uma nova gramática cultural é buscada no trabalho de milhares de pessoas e centenas de instituições que têm-se empenhado na criação e no desenvolvimento, junto ao Ministério das Cidades do Brasil, do chamado Conselho Nacional de Cidades, órgão assessor do governo central que resultou de reuniões, colóquios, estudos e assembléias realizados em todo o Brasil nos anos de 2003 e 2005. O autor deste trabalho foi observador-participante das conferências, eleito para representar um segmento e apoiar os trabalhos de sistematização de propostas.
« Os movimentos sociais estão com um atraso de várias revoluções simbólicas em relação a seus adversários, que utilizam assessores de comunicação, assessores de televisão etc ».
(Pierre Bourdieu in Contrafogos, táticas para enfrentar a invasão neoliberal)
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Alves Luiz Roberto, «Um outro modo de construir políticas de comunicação e cultura», Les Enjeux de l’Information et de la Communication, n°07/2, 2006, p. à , consulté le , [en ligne] URL : https://lesenjeux.univ-grenoble-alpes.fr/2006/supplement-a/02-um-outro-modo-de-construir-politicas-de-comunicacao-e-cultura
Introdução
Exceção feita aos anos da ditadura militar, na década de 70, o Brasil não conheceu políticas regionais ou nacionais de cultura. Do mesmo modo, teve grande dificuldade em reconhecer que os momentos decisivos para a constituição de políticas das maiorias foram sinalizados por movimentos histórico-estéticos ora mais amplos, ora localizados regionalmente, mas sempre fortes o bastante para comporem as premissas, os objetivos, os conteúdos, métodos, práticas e avaliações de políticas sociais, especialmente de cultura. No entanto, a ocorrência de repressões, esquecimentos, ausência de priorização sócio-política ou classificação de exotismo e folclore determinou o não-aproveitamento dessas idéias-forças, bem como não ocorreram as políticas culturais como processo orgânico e minimamente consensado. O fenômeno, considerado a partir dos anos 70, fica evidente porque a construção de políticas derivou da racionalidade que impôs planejar para o desenvolvimento e nesse processo buscou atrelar as diversas linhas de ação dos governos às diretrizes, metas e métodos da economia. De outro lado, foi persistente e politicamente produtivo no meio das elites dirigentes a atitude de reforçar a visão dicotômica de cultura como patrimônio imanente e identificador dos produtos elevados da criação nos centros estrangeiros, cabendo a grupos sociais periféricos e destituídos do poder, embora persistentes e atuantes, criar as múltiplas expressões do popular. A ditadura buscou canalizar as dicotomias a serviço das diretrizes econômicas, que combinava a modernização atrelada plenamente ao capital internacional com o desenvolvimentismo sob rígida ordem social. Os governos democráticos que se seguiram, a despeito da distensão social, não alteraram a centralidade da tendência. Desse quadro decorre a visão cultural da suposta unidade nacional. Projeto, aliás, que compôs sempre os mitos fundadores do Brasil. De todo modo, aos nossos díspares e às vezes paradoxais movimentos e planos de construção de identidade e autonomia pela cultura, de lutas a favor de terra e moradia e da construção da educação popular, que conhecemos melhor a partir de 1920, vêm somar-se, nas últimas décadas, novos números e percentagens, objetivos a alcançar, divisão hierárquica dos saberes, modos de fazer para atingir metas. Um conjunto de fórmulas interessantes, com força técnica e capaz de dividir e legitimar as classes sociais, mas fundamentalmente portador de baixa coesão social. Prova disso são as implantações do sistema nacional de habitação, do fundo de garantia do trabalho e das bases da educação fundamental e média, que significaram um conjunto de normas, movimento bancário, burocracia e favorecimento seletivo de setores da população e, no entanto, não se constituíram em símbolo da repartição da renda e demais bens públicos. Continuou a funcionar o paradigma de poder que cooptava sintagmas do discurso público a fim de se legitimar como esfera pública republicana. É verdade que em dois momentos distintos, quando da gestão da cultura na São Paulo provincial pelo poeta e musicista Mário de Andrade (1893-1945) e na democratização dos anos 80 com o movimento popular a favor do Sistema Único de Saúde tivemos ações mobilizadoras de desejos com vistas a despertar energias e talentos reprimidos a favor de causas necessárias. Fora disso, o desenvolvimentismo centralizador de toda a segunda metade do século XX fez alinhar desejos e necessidades sociais a padrões totalizadores de distribuição dos bens públicos sem construção de cultura política. No lugar de ações mobilizadoras, a confiança cega no projeto técnico. Em vez de despertar talentos, optou-se pela sujeição de amplos setores da população ao chamado “jeito de clientela”. No caso específico da cultura paulistana na gestão do líder do movimento modernista, houve estímulo para pesquisas literárias e folclóricas capazes de sedimentar as ações de governo noutras áreas, agregar valores a uma visão de cidade, bem como criar sentidos para a produção, divulgação e consumo de cultura. Naquele período, as maiores cidades brasileiras começavam a se preocupar com políticas urbanas, especialmente de saneamento, transporte e organização do espaço urbano. Ganhava sentido, pois, o trabalho cultural de aproximar obra, autor e público (vide a criação de bibliotecas e conservatórios musicais), de integrar cultura e educação e, portanto, construir um mapa cultural nos mesmos marcos do novo mapa urbano da cidade que caminhava para ser metrópole. Assim fazendo, ampliava-se a auto-estima do disperso e instável ser paulista e paulistano. Esse esforço em tornar comum, comunicar um patrimônio público tornou-se memória agregada ao movimento cultural contemporâneo. Já nos anos 30, no governo de Getúlio Vargas, desenvolve-se a idéia-força no domínio educativo-cultural, com o objetivo de mobilizar o país por meio de reformas da educação e do mundo do trabalho, sendo a primeira um veículo privilegiado para construir o segundo. Evidentemente, o processo de reformas terminou como doação governamental, que reforçou paradigmas de dominação e clientelismo. No entanto, setores do governo criaram um projeto de síntese da criação cultural do país, consumada na obra monumental de Fernando de Azevedo denominada A Cultura Brasileira (1). Lidos juntos, a reforma da educação do Estado Novo e a obra de síntese da cultura reforçam a visão elitista e bacharelesca de progresso e cultura, pois ali as maiorias populares devem encontrar seu lugar histórico pela formação educacional básica atrelada ao trabalho de sobrevivência, talvez operário, enquanto as grandes criações culturais compõem o campo de instrução e vocação dos bacharéis, licenciados, certos políticos e cientistas. O imaginário popular é relegado ao campo do folclore, um saber que não produz mudanças sociais. Nessa direção, os cânones culturalistas de Azevedo não puderam incluir na sua opulenta síntese o penetrante levantamento de cultura popular e de crítica política presente na obra diversa, mas confluente dos cariocas Noel Rosa e João do Rio/Paulo Barreto, para citar somente duas expressões simbólicas. Para trás e para frente dos dois criadores, encontram-se na história da Primeira República expressões muito organizadas de culturas formadoras de uma rede de liberdades cívicas e de associatividade civil. Expandem-se os encontros étnicos nas festas, na literatura popular e no cotidiano dos grupos de vizinhança, constituem-se redes de sobrevivência pós-escravista, especialmente pela criatividade feminina, bem como se constroem os difíceis sentidos do trabalho e os modos de inserção dos pobres no primeiro surto de industrialização do país. A música Três Apitos, de Noel Rosa, o mapeamento humano do autor da obra denominada convenientemente de Cinematógrafo (2), as narrativas do trabalho das mulheres livres, negras e mestiças, a construção político-religiosa de Canudos, tudo evidencia essa rede desejada de liberdade e organização, cujos sinais foram alimento para a pesquisa das ciências humanas e sociais e para a argumentação política, mas não aproveitados como matéria prima de políticas de governo. Essa expressividade estético-política tinha os contornos do espírito do tempo. Era criada com ritmos, linguagens e posturas políticas diversas dos Industrial Workers of World, cuja memória dolorosa de Joe Hill eterniza, bem como do combate de Woody Guthrie ou Pete Seeger. Diversa também das canções de Brecht ou Brassen e Anne Marly, partisans da luta desigual das maiorias internacionais.3 No entanto, a sondagem questionadora e bem humorada, por vezes jocosa, dos nossos ritmos, precisam ser associadas ao ritmo do trabalho negado e de sua contínua precariedade em nossa história republicana, quer moderna, quer pós-moderna. No entanto, no Brasil a necessidade tratou sempre de refrear o desejo e ainda muito acúmulo de dor e experiência foi necessário para o equilíbrio entre uma e outro. Análise semelhante se pode fazer da construção dos blocos regionais de economia e cultura, a chamada divisão regional brasileira, que acompanhou as mudanças e manutenções da economia feudal e da economia agrícola-pastoril, quer na experiência nordestina (e sua extensão à Amazônia), quer na experiência dos Estados do sul do país. De fato, as regiões, a despeito da corrupção no interior de seus projetos econômicos e financeiros, foram sinais inequívocos da identidade plural do país em face das cópias e modelos que se buscava implantar, por exemplo, o chamado desenvolvimentismo. João Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto (3) sinalizam o que já se enunciava na boca do povo, tinha sido vivido nas revoltas e agitações ou escrito esparsamente nos folhetos de cordel. Enquanto se lança o discurso do Brasil Potência Internacional nos anos 50, especialmente sob o governo do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, o ser do sertão, ou o ser local em movimento, o migrante, se pergunta, insistentemente, sobre alinhar-se com Deus, com o Diabo ou ser mesmo homem-humano nas batalhas mais importantes, quais sejam as de conhecer e exercer o conhecimento na conquista da dignidade social. Questiona, também, sobre o fundamento do viver empobrecido. Se vale a pena levantar a cabeça e avançar ou, ao contrário, submergir diante do destino imposto. E o faz por vias da intensidade poética da palavra, que ressemantiza o cotidiano e suas memórias. Os sons e os discursos do Jongo e das danças de Quilombos também comunicam a disputa simbólica das forças sociais em face de necessidades insatisfeitas e desejos de superação. Um dos “pontos” do Jongo de Tamandaré clama: “Mãe África vem relembrar meu cativeiro…” o que evidencia a busca de acúmulo de sintagmas transversais em face da desestruturação e reestruturação de paradigmas políticos dominantes. Nessa história complexa, entende-se como foi difícil aos chamados movimentos de conscientização popular dos anos 60 projetar seus códigos políticos de esquerda (vide CPCs, Centros Populares de Cultura da União Nacional de Estudantes) sobre essas populações marginalizadas. Gente sem terra, trabalho e moradia, mas a seu modo organizadora de códigos de cultura próprios, emissores e receptores em antagonismo. Os evidentes conflitos de códigos de linguagem e conhecimento refletiam não somente as assimetrias políticas como os modos concretos tão diversos de construir cultura. O melhor caminho para fazer do acúmulo diverso e reprimido um território de dignidade e crescimento do saber foi a pedagogia desenvolvida por Paulo Freire, que assumiu a verdade da cultura dos pobres e estimulou a circularidade do conhecimento como método para o alcance da consciência crítica. Essa pedagogia continua a ser fundamental para os movimentos sociais aqui trabalhados, embora reprimida e parcialmente esquecida em favor de novas modas educacionais.
Gramáticas da Exclusão
Entende-se, pois, que as maiorias socialmente excluídas, mais ou menos organizadas, tiveram poucas escolhas na gramática de poder republicano no Brasil. De pronto, não couberam nos paradigmas estabelecidos. As marchas e contra-marchas dos planos e programas de saúde, segurança, educação, moradia, transporte e saneamento urbano até muito recentemente ( e em parte até agora) provam a ausência das maiorias na ótica das prioridades. Os muitos discursos desses planos foram signos vazios para toda essa gente, portanto decodificados em círculos restritos. Como decodificar a palavra direito sem a vivência de direitos? Os mapas noturnos da realidade das maiorias e suas perguntas insistentes não foram respondidos pelos ciclos econômicos ou administrativos. Suas respostas vieram do movimento realista do seu imaginário e da sua capacidade associativa, capaz de produzir contigüidades culturais. Nessa reflexão, ajuda-nos o pensamento lingüístico, quer de Jakobson (1969), quer de Peirce (apud Jakobson). (4) O lugar comum que decodificou os signos acumulados na história política foi o da cultura associativa comunitária. Decorrem daí idéias fortes como mutirão, parceria, festa, socorro mútuo etc., efetivamente entendidas como símbolo das culturas que sofreram exclusões. E se são símbolos, realizam-se recorrentemente na história das pessoas e dos grupos sociais. Impossibilitados de substituir paradigmas, pois somente um saber culto e técnico poderia fazê-lo, essas maiorias sociais associam-se a certos paradigmas capazes de aberturas à decodificação a fim de constituir seus sintagmas, isto é, sua expressão discursiva e gestual capaz de garantir continuidade da vida associativa e talvez criar novos paradigmas. O geógrafo Santos (1996) (5) pergunta por que as cidades latino-americanas não explodiram e em parte responde que assim se deu em razão dessas culturas associativas, intersubjetivas, interativas. É verdade que não-revolucionárias, como se entende comumente, mas historicamente insistentes. Noutras palavras, o fundamento dessas culturas é a comunicação, a necessidade fundamental de tornar alguns signos comuns, comunitariamente decodificados e, por isso, garantidores da continuidade do trabalho e, enfim, da associatividade grupal. Portanto, de novas elaborações na gramática social. Convém esclarecer que todo esse movimento social responde ao eco da literatura brasileira a partir do Romantismo, que representou os pobres – certamente sob vários vieses e intenções – e estimulou a compromissos de conhecimento e ação diante do painel étnico-cultural diferenciado. Ao negar a perspectiva da massa indiferenciada, a literatura foi dos negros e malandros de Alencar e Manoel Antonio de Almeida à cultura do sofrido trabalho em Carolina Maria de Jesus; dos Jeca-Tatus de Lobato à pobreza operativa e poética das mulheres em Clarice Lispector e Marilena Felinto; dos sentidos clássicos da liberdade humana em Castro Alves à luta surda de classes no país injusto de Chico Buarque. (6) Tratou-se, pois, de reverter o quadro do domínio histórico ao revelar que a massa supostamente indiferenciada portava patrimônios de diferenciação, que eram as suas culturas e, de certo modo, suas armas.
O construto comunicação-cultura-trabalho
Essa ação cultural trabalhada a contrapelo dos mitos da cultura oficial teve de construir e reconstruir processos de comunicação alternativos, visto que até os anos 60 tínhamos metade da população analfabeta e outro tanto detentor de códigos mínimos de escrita e leitura. Entende-se, pois, a força das nossas oralidades, musicalidade e mídias audiovisuais. Entende-se, também, o contínuo trabalho de canalização dessa oralidade a serviço da ordem política dominante, o que ocorreu tanto na cooptação das festas quanto na repressão pura e simples das manifestações, à guisa de saneamento público dos maus costumes e das malandragens. Portanto, jamais houve acordos formais em torno de nossos projetos de cultura capazes de se traduzir em políticas de cultura. Os paradigmas do poder, quando não negaram liminarmente os sintagmas populares, selecionaram-nos e os discriminaram. Essa história de desacordos, apropriações não-legítimas e esforços diferenciadores (evidentes nos programas partidários e eleitorais quase nunca cumpridos) faz lembrar sempre a fala atribuída ao genial jogador de futebol Garrincha. Diante das instruções estratégicas e táticas dos treinadores, ele pergunta se já haviam combinado tudo aquilo com os adversários. Para ele, certamente, futebol seria ou uma sucessão de invenções garantidoras da sobrevivência vitoriosa ou um espetáculo acordado entre as partes. A fala de Garrincha questionava a direção a ser dada às coisas em face do destino dessa cultura sedutora e perigosa que trabalha com multidões, mas ainda não supunha os acordos capitalistas mais agressivos que levaram à atual mediocridade do futebol brasileiro. Bem antes dele, porém, a questão da direção dada à vida cultural do país tivera uma metáfora em Blaise Cendrars, retomada e traduzida por Oswald de Andrade no Manifesto da Poesia Pau Brasil, de 1924 (7). Dissera ele que as locomotivas brasileiras estavam cheias e que íamos partir. No entanto, um homem negro girava a manivela do desvio rotativo na linha em que estava o povo embarcado e que quaisquer descuidos nos levariam a direções opostas. O simbolismo étnico da pobreza e da humilhação não funciona de fato como causa e efeito, mas ajuda a compreender a construção de culturas mestiças que buscam mudar as manivelas e, se não conseguem alterar plenamente rumos, fazem com que esse comboio histórico visite estações esquecidas, espaços marginalizados, panoramas que reclamam presença e historicidade. É necessário não esquecer o dado infraestrutural, isto é, que menos de 10% dos brasileiros detêm bens e meios de produção de bens que fariam viver com dignidade os outros 90%, matriz ordenadora dos demais males. A metáfora do desvio – que tem especial força lingüístico-cultural – se traduz em sintagmas e ações periféricas e precárias. Mesmo assim, ou por isso, têm sido o melhor caminho para a agregação de valores culturais disponíveis à constituição de projetos e programas públicos efetivamente democráticos. Esse comboio, no entanto, tem destino inseguro e exige dos movimentos sociais uma contínua vigilância. A despeito de tudo, foi o acúmulo de culturas libertadoras, organizadoras de associatividade e interações, enfim identificadoras de grupos e territorialidades que constituiu as culturas do trabalho no Brasil, mais visíveis a partir dos anos 50. E estas culturas do trabalho são as forças vitais para as disputas das novas culturas da cidade, vista essa ao modo de Italo Calvino (8) como urbanização contínua, tecido de memória, necessidades e desejos a representar pelo menos 75% da população do país e simbolizada nos pólos mais dramáticos das metrópoles. As culturas do trabalho, que organizaram a arquitetura, as relações produtivas e as formas de comunicação e expressão dos bairros metropolitanos evitaram maiores explosões sociais, mas não puderam substituir ou reverter os novos estímulos econômicos dos capitais associados à criminalidade de tipo empresarial, que exploram a pobreza, a prostituição, o comércio de drogas e se organizam sob novas vestes de clientelismo. No entanto, desde o final dos anos 80 assume-se deliberadamente a disputa física e simbólica da cidade e os desafios ficaram flagrantes nas reestruturações econômicas do capitalismo internacionalizado. No primeiro momento, as cidades grandes – e mesmo as médias dotadas de atrativos econômicos e potencial turístico – deveriam ser nós da engrenagem de negócios, ou organizarem seu território para atrair os possíveis investimentos vindos das chamadas externalidades. Todavia, o que se viu nos últimos anos é que o capital escolheu suas engrenagens e territórios privilegiados e, possuidor de intensa mobilidade, deixou a grande maioria das cidades a ver navios ou, em palavras mais contemporâneas, a ouvir falas distantes de progresso e desenvolvimento. De fato, as cidades tiveram de dar respostas às demandas de suas populações com seus próprios recursos. Aí é que se faz mais claro o acúmulo de saberes das culturas do trabalho, agora mais politizadas pelas ameaças de perder tanto o trabalho quanto o direito à cidade, ver sumir meios de sustentação e território. Mas não foi o caso. As culturas do chão da fábrica, do chão do bairro, do chão da igreja e do chão do clube encontraram canais e alvos para a revitalização do seu chão cívico, que é a cidade. Para tanto, essa nova fase política do movimento social tem contado com parcerias de setores do poder público menos alinhado aos modelos econômicos dominantes, do chamado terceiro setor, de grupos esparsos e por vezes espontâneos da Universidade, bem como por diminuída representação do legislativo e do judiciário.
Necessidade Social, Cultura e Desejo
Desde 2001 está em vigor no Brasil a lei federal denominada Estatuto das Cidades, que regulamenta artigos da Constituição federativa de 1988 e orienta o desenvolvimento urbano, bem como estimula à participação social. No entanto, num país de inúmeras leis inócuas e inúteis, também esta poderia ser letra-morta. Mas o movimento social a descobriu como veículo de sua expressão no destino da cidade. A participação direta na governança inovadora que desenvolveu um projeto de revitalização ecológico-social da ex-região industrial do ABC Paulista (que considerou a experiência política da Lombardia, do Vale do Ruhr e de Los Angeles) e na organização de conferências regionais e estaduais de cidades, entre 1994 e 2005, permitem ver o acúmulo cultural que os agrupamentos sociais realizam no trato dos projetos de conquistas sociais e de reações propositivas ao quadro de desafios e ameaças. Às convocatórias das conferências de cidades nos vários níveis, entre 2003 e 2005, houve respostas de todos os 27 Estados da Federação e não menos de 3.000 das 5.561 cidades brasileiras. Evidentemente algumas tiveram participação meramente burocrática, mas cerca de 1.600 cidades construíram conferências locais e partilharam das conferências regionais e/ou estaduais, o que significou a média de 2.500 representantes em cada conferência. Essa representação ficou em 20% do total para os movimentos sociais e populares e percentagem semelhante para os poderes públicos, executivo e legislativo. Os demais percentuais se dividiram entre concessionários privados dos governos, entidades sindicais, instituições universitárias, organizações não-governamentais e órgãos de pesquisa ( cerca de 10%), empresários. Ambas as conferências nacionais foram realizadas em Brasília, DF. A conferência de 2003, também nas várias instâncias de realização, debateu o tema: Cidade para Todos. Construindo uma política democrática e integrada para as Cidades, Já a de 2005 enfocou a construção do Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano por meio de 4 temas: Participação e Controle Social, Questão Federativa, Política Urbana Metropolitana e Financiamento ao Desenvolvimento da Cidade. Antes e durante as conferências foram indicados representantes que compuseram o Conselho Nacional de Cidades, órgão assessor do Ministério das Cidades, em 2003 com 71 membros e em 2005 composto por 86 pessoas em mandato de 2 anos. Na construção dos textos das Conferências de Cidades, programas de habitação, transporte público, uso do solo urbano e saneamento da cidade se transformam em chaves de ação cultural e de comunicação comunitária, passando a traduzir novos insumos e valores para conteúdos e métodos de política específica de cultura. Essa nova gramática do poder na sociedade cria ênfases em quatro campos de sentidos, ou conjuntos de sintagmas transversais, a saber: I. Escolhas e decisões reordenadas pelo acúmulo e liberação de memória; II. Compartilhamento crítico ou a metonímia desconfiada; III. Representação social direta; IV. Participação como nova semântica da gestão da cidade.
I. Escolhas e decisões pelo acúmulo e liberação de memória
I.1. Agora, a construção da casa digna financiada publicamente e as ações em saneamento ambiental são definidas pela comunidade e consideram a geografia e a história locais em sua implantação, revertendo pois a tradição de benefício seletivo e imposição de vontades do governante e do proprietário ao espaço ecológico. I.2. A economia não é mais a gramática-tabu que define tudo pelo seu valor intrínseco, mas é bem público que se garante na realização de serviços públicos de qualidade. I.3. A cidade não é um todo indiferenciado, mas uma rede de instituições com projetos diversos e alguns espaços comuns de negociação, quer sejam setores de produção de bens, escolas e academias, organizações não-governamentais de terceiro setor, associações profissionais, concessionárias de serviço público, movimentos sociais. I.4. A negação do clientelismo se faz pelo surgimento da governança consorcial e esta deve enfatizar o desenvolvimento regional endógeno. I.5. Ao mesmo tempo, as diversas políticas devem ser integradas, horizontal e verticalmente, bem como as gestões locais e regionais. I.6. A modernização social se define por dois valores: o acesso e a comunicação. Eles substituem o todo-poderoso planejamento econômico (forjado pelo seu competente saber) e conseqüentemente invertem o modo usual de conhecer a modernidade do país. O acesso continuado e crescente dos excluídos (que define um processo de comunicação) faz-se a metáfora da modernização inclusiva. I.7. Todas as políticas públicas devem ser submetidas a rigorosa avaliação e fiscalização por parte da sociedade. I.8. A Universidade seria estimulada a participar, especialmente no processo de formação de gestores e lideranças da sociedade. Observa-se que toda a linguagem em torno da Universidade livra-a de maiores exigências e preserva sua autonomia, ou mantém o espaço da educação como lugar de algum modo sacralizado. I.9. Quaisquer propostas alternativas para a habitação de baixo custo nascerão do interior da cultura local das populações e visarão a capacidade de produção em escala, a fim de atender a maior demanda possível. I.10. Os projetos de educação popular encontrados na reflexão proposta por Paulo Freire estão na base de propostas como “ a afirmação da autonomia dos sujeitos sociais, a realizar-se no processo contínuo de discussão…” I.11. Uma proposta de gênero, no caso masculino: Que haja paridade entre homens e mulheres no Conselho Nacional de Cidades. De fato, a presença feminina nas conferências chega a 70% e a paridade reflete a inversão histórica da hegemonia masculina. No entanto, na prática representa uma concessão das mulheres, que poderiam reivindicar hegemonia e superioridade numérica. I.12. A sociedade civil deve ter 60% das cadeiras em todos os conselhos, do municipal ao nacional, ficando o poder público com 40% dos lugares. I.13. A política de comunicação do ministério das cidades e do governo como um todo será construída no interior dos princípios da transparência e do direito social à informação. I.14. A realidade econômica é aceita, enquanto não se pode mudá-la, visto que os discursos e textos enfatizam a construção de políticas para quem ganha até 3 salários mínimos ( 400 dólares, 300 euros) por mês e não se exige o aumento do mínimo. I.15. A diversidade social é valor que não se compromete com a desigualdade e muito menos a causa. Ao contrário, a diversidade amplia vozes críticas ao sistema de poder que organiza e sustenta a desigualdade. I.16. Populações quilombolas, indígenas e ribeirinhas precisam garantir a titularidade sobre suas terras e serem apoiadas em sua ação cultural, de que deriva a sua economia, quer no artesanato, na agricultura, na vida familiar, pesca, saneamento, educação e escoamento da produção. I.17. Todo o saber burocrático deve submeter-se aos princípios da visibilidade, da acessibilidade, da comunicação e da economia solidária. I.18. O Capitalismo deve ser mitigado pela diminuição dos “atravessadores” que corrompem e tornam desumanas as leis de mercado. I.19. Toda a ação pública deve ser respeitosa à Agenda 21 da Onu. I.20. O Estado deve ser fortalecido na medida em que ele se converte à prática de outro projeto social e econômico como o proposto nas Conferências.
II. Compartilhamento crítico, ou a metonímia desconfiada
II.1. Reverter o quadro histórico do país: em vez de enfatizar os diagnóstico, concentrar esforços na gestão e na avaliação dos processos. II.2. Ainda antes de se construir Planos Diretores Participativos, as cidades podem construir operações consensadas sobre zoneamento e ocupação, basta que atendam à diretriz do controle social. II.3. Os sistemas de informação governamental devem ser acessíveis a qualquer cidadão. Neles estariam presentes todos os dados da gestão, de modo visível e preferentemente integrados por blocos de políticas. II.4. No tempo da globalização, carece-se de afirmar a importância do local e da comunidade, indispensáveis para compreender a própria globalidade. Trata-se de antiga tendência cultural, fartamente presente na literatura e a poética do país. II.5. Os agentes, especialmente financeiros, devem ser controlados e fiscalizados pela sociedade organizada, por meio de mecanismos continuamente atualizados. II.6. O investimento a favor dos bens e políticas públicos deve superar todos os contingenciamentos econômicos e monetários feitos pelos governos. II.7. As organizações sociais não representam toda a população. Esta é maior do que aquela e as organizações devem prestar contas à população. II.8. Os poderes públicos têm a obrigação de dividir o poder com a sociedade. II.9. Todas as políticas públicas precisam ser experimentadas no nível da governança intermunicipal. II.10. A execução de ações ao nível da micro-economia deve buscar atingir a macroeconomia do país. Por exemplo a proposta formulada pelo Fórum Urbano Mundial de retirada dos investimentos em habitação e infra-estrutura do cálculo de superávit primário dos orçamentos governamentais.
III.1. Propõe-se a criação de uma cultura do direito universal aos bens e serviços. III.2. O acesso ao sistema de comunicação e ao patrimônio natural e cultural cria nova referência na autonomia dos grupos da população. III.3. O governo da federação precisa passar a ser exercido pela democracia participativa, a partir de acordos em que os movimentos sociais locais e regionais sejam parceiros. III.4. Palavras e conceitos de baixa presença nesse cenário: vereadores, deputados. Quando surge a denominação, entende-se como membros de câmaras e assembléias, conceito que vai além dos próprios representantes eleitos. III.5. O Conselho Nacional de Cidades tem caráter deliberativo, permanente e fiscalizador. III.6. Conceitua-se parceria como negociação transparente, que destaca o interesse público e sob controle popular.
IV. Participação como nova semântica da gestão urbana
IV.1. O direito a uma casa digna implica o direito de participar da arquitetura da mesma, ao lado dos técnicos. IV.2. Participar deixa de ser conquista para ser premissa central do governo da cidade, fundamentada no direito à informação. IV.3. Todos os atos de modernização das instituições urbanas incluem diferentes atores da cidade e seus diferentes saberes. IV.4. Não basta inverter prioridades na gestão urbana. Carece estabelecer novos símbolos, como por exemplo a prioridade explícita de planos e políticas aos setores sociais de baixa renda. IV.5. É necessário superar e subverter o trabalho tradicional do governo legal existente por meio de cooperativas e associações comunitárias de autogestão, que passam a concorrer na implementação e avaliação de políticas públicas. IV.6. Toda a gestão pública participativa deve prover atividades que vão da formulação do projeto ao trabalho final. Todo o processo de participação se associa ao de controle social.
Refundação republicana
Por que e como se constrói aqui uma nova gramática cultural que, ao comunicar-se como necessidade, reconstrói o ser da cultura, não em obediência aos paradigmas tradicionais de poder mas sim por acúmulo de sintagmas transversais? A análise e interpretação das Resoluções das Conferências de 2003 e 2005, cerca de 60 páginas, a par da memória do processo de trabalho, não deixam dúvidas de que se está no rumo – inseguro ainda – da construção simbólica da cidade desejada e que a cultura em movimento de acúmulo é estruturadora das necessidades sociais. De fato, esse movimento inter-grupal é um programa político de refundação republicana, visto que nega a antes exclusiva racionalidade técnica e introduz modos, desenhos, temas e métodos impensáveis noutros planejamentos burocráticos. Portanto, uma ação política que pode levar a efetivas políticas culturais urbanas. O tratamento coletivo da infra-estrutura urbana faz confluir as mediações necessárias entre a matéria tratada e uma ética correspondente, entre imaginação e fato, economia e bem-estar, discurso sobre direitos e direito a discursos. Acima de tudo, como diria Paulo Freire, define-se um saber consciente e crítico, que opera valores coletivos e se educa no fazer político-cultural. Cria-se, pois, um mapa de ênfases culturais no interior de políticas que ainda não tinham apresentado qualquer coesão social na história republicana e que, portanto, eram trabalhadas pelo clientelismo, pela administração personalista, pela representação formalista e pelas centralizações de poder. Ademais, a negociação ocorrida nas conferências assume alguns consensos submetidos a controles sociais, negando, pois, antigas imposições falsamente consensuais, como foram certas políticas desenvolvimentistas e planos econômicos. Ocorre que, em conseqüência, no tratamento específico das políticas voltadas a necessidades básicas das maiorias consolidam-se sentidos de cultura e comunicação resultantes do trabalho coletivo. Formadas por uma maioria de grupos sociais periféricos, essas representações sociais conferem à comunicação (sem explicitá-las por escrito) o sentido de acesso aos direitos sociais e à cultura o cultivo da diversidade. Portanto, comunicar e exercer a cultura são valores indissociáveis e verbos-chave da nova gramática social que nasce das práticas sociais e dos textos. Acesso a direitos não é instrumentalidade, mas sim condição de cidadania. Cultivo de diversidade significa o movimento liberado de saberes. Nessa perspectiva, não basta que dirigentes políticos enunciem programas de ação e ostentem seu paradigma racional, técnico e economicamente poderoso. Eles devem comunicar-se vertical e horizontalmente e, portanto, criar referências integradoras de conjuntos de necessidades, bem como cultivar valores de continuidade, submissão à crítica pública e visibilidade. Não é suficiente o crédito para a compra da casa ou a feitura da rede de esgoto do bairro. O que se exige agora é conhecer a qualidade, o custo e o valor ecológico do sistema de saneamento e participar do desenho, da construção e da organização da moradia. Estamos, pois, diante não somente de nova pragmática, mas também de novo processo epistemológico, trabalhado coletivamente. Pela ótica da cultura, trata-se da busca de perenidade do bem público e comunitário, o que exige a estetização dos atos de planejar, executar e avaliar a política. Diria Hannah Arendt que se trata de fazer um fenômeno da vida tornar-se fenômeno do mundo, capaz, portanto, de superar a cotidianidade. As relações entre os quatro campos semânticos sugeridos pelas Conferências de Cidades reconhecem a história vivida e propõem sua subversão. A memória acumulada redefine a economia e a cidade, situa as organizações como parte de um continente soberano, a população, afirma valores de gênero e etnia e elege a dialogicidade como o lugar da política. O educador Paulo Freire gostaria de estar vivendo essa experiência. Em seguida, essa memória dialógica nega qualquer metaforização ou similaridade com o modo costumeiro de exercício do poder no país. Como sintagma que transversaliza os vários aspectos das políticas trabalhadas, ser metonímia desconfiada implica partilhar criticamente da governança. Superar diagnósticos sem avaliação, negar o fascínio das relações globais, afirmar que investimento público é valor de alta agregação (com o que concordaria Amartya Sen) e construir controles sociais amplamente públicos. Assim também, não há mais lugar para a representação social vicária. Os atos legais e as deliberações políticas fundamentais precisam submeter-se a modos diretos de decisão, referendos, plebiscitos e pleitos afins. Repensar, pois, a democracia vigente. Em conseqüência, certos valores e referências migram das políticas infra-estruturais trabalhadas pelas Conferências para a construção de políticas específicas de cultura. Tais valores e referências constroem premissas, conteúdos e metodologias. Sua leitura pode ajudar na formulação de um modo de fazer política cultural que ainda não conhecemos, isto é, a partir do diálogo tido e havido na transversalidade da infra-estrutura construída no debate político das populações. Seguem-se algumas premissas e conteúdos, bem como sua conseqüente metodologia.
Premissas e conteúdos para as políticas de cultura
- O direito à cultura é indissociável do direito à cidade.
- A universalização do bem público ganha força no reconhecimento e na legitimação do local.
- A promoção da igualdade se dá na construção de ações específicas para os diversos grupos sociais, no reconhecimento da multiculturalidade.
- As culturas grupais e comunitárias associam-se às universitárias, profissionais e produtoras de bens e serviços.
- Quaisquer políticas, especialmente as culturais, consideram vocações territoriais e históricas.
- Busca-se a identidade transcultural brasileira.
- A integração da política cultural começa pela estreita associação às políticas de educação e saúde.
- O governo legal deve ser subvertido por formas cooperativas e de autogestão.
- O tempo globalizante também é o tempo de máxima afirmação do local e sua capacidade de comunicação.
- A habitação popular não pode ser desenvolvida se não se considera a cultura local e as possibilidades de construção de alternativas, quer nos meios, quer nos bens de produção.
- Uma política cultural considera a reversão do quadro histórico de privilégios sobre espaços, financiamento, metodologia de relações de trabalho e de discursos sociais.
- Um intenso trabalho de controle social é indispensável sobre agentes distribuidores de recursos, receptores, produtores e divulgadores.
Metodologia
- As políticas urbanas serão organizadas como direito cultural, como patrimônio público de inclusão e diferenciação.
- Assumidos em sua diversidade e autonomia, diferentes atores são indispensáveis como articuladores de políticas.
- Qualquer cidadão/cidadã deve ter acesso às informações sobre a governança local, regional, nacional.
- A transformação das necessidades em demandas requer respeito à geografia e história local, requer o diálogo social, a precisão da demanda e o acompanhamento pleno da consecução da política decorrente.
Conclusão
Parafraseando o poema de João Cabral Morte e Vida Severina, cabe lembrar que na introdução deste trabalho observou-se a lacuna de políticas de cultura em nossa história republicana. Ainda que plurais e abertas, teria sido bom e belo tê-las para evitar o dirigismo clientelista ou a mediocridade vaidosa em torno do que é cultural, sempre a favor da suposta alta cultura. Os movimentos sociais e as vozes vindas do interior do teatro, do cinema e da literatura, no entanto, anunciaram sempre que tais políticas seriam urdidas no diálogo transversal das necessidades e desejos sociais, pois ali sempre foi o lugar da construção simbólica. Deste modo, o próprio fazer político, quando teve direito de se constituir um conjunto orgânico de sintagmas, associou-se a certos paradigmas compostos de memória, espírito crítico, direito de participação e reconstruiu sentidos, formou novos e abertos paradigmas, porque neles cabem novos atores e movimentos da sociedade. Esse processo comunicacional organizou-se como acesso a direitos sociais e buscou tornar comum o cultivo das diferenças e dos diferentes, que trabalham para encontrar possíveis consensos a favor das maiorias reprimidas na história do país. Nessa reflexão residiu o ser deste trabalho, oferecido a cada um e a cada uma dos que construíram as Conferências de Cidades de 2003 e 2005. Nelas, cultura e comunicação revelam-se e demonstram ser centralidade na res publica de afirmação democrática.
Notes
(1) AZEVEDO, Fernando de. A Cultura Brasileira. Introdução ao estudo da cultura no Brasil. 4.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1963.
(2) Publicada no Porto por Chardron, 1909.
(3) Programa televisivo produzido por Rudi Dolezal em 2004 sobre as canções populares como parte das lutas sociais. Reapresentado na Televisão da Suíça Italiana, TSI-2 em 5 de outubro de 2006.
(4) Narrador e poeta. Ambos diplomatas. Guimarães Rosa (1908-1967) escreveu, entre outros, os encantadores Manuelzão e Miguilim, Sagarana, Noites do Sertão. João Cabral (1920-1999) destaca-se com O Cão sem Plumas, O Rio, O Engenheiro. As obras maiores são citadas no corpo do artigo.
(5) JAKOBSON, Roman in Lingüística e Comunicação trabalha esses conceitos e traz a contribuição de Charles Sanders Peirce(1839-1914). O livro de Jakobson foi publicado no Brasil pela Editora Cultrix e Editora da USP em 1969.
(6) Milton SANTOS ( ) tem várias obras publicadas, entre elas A Natureza do Espaço, em cujo capítulo O Lugar e o Cotidiano ele responde à questão formulada em outros ponto de sua obra. Este livro foi publicado pela editora paulista Hucitec em 1996.
(7) O livro organizado por Roberto SCHWARZ Os Pobres na Literatura Brasileira, publicado em 1983 pela Editora Brasiliense, apresenta um painel dessas representações e visões.
(8) Consta em Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro, organizado por Gilberto Mendonça TELES, 17.ed.Petrópolis, RJ:Vozes, 1997.
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Auteur
Luiz Roberto Alves
.: Cátedra de Gestão de Cidades da Universidade Metodista de S.Paulo
Programa de Mestrado em Administração
Linha de Pesquisa: Gestão de Pessoas
Pesquisador visitante no Departamento de Comunicação, Mídia e Estudos Culturais da Universidade de Florença, Itália.
PDE – Apoio do CNPq
Plan de l’article
O construto:comunicação-cultura-trabalho
Necessidade social, cultura e desejo
Escolhas e decisões pelo acúmulo e liberação de memória
Compartilhamento crítico, ou a metonímia desconfiada
Participação como nova semântica da gestão urbana
Premissas e conteúdos para as políticas de cultura