O lugar do jornalismo na comunicação
Article inédit faisant suite à une communication au 8° colloque Brésil-France, à l’Institut de la Communication et des Médias (Université Stendhal), les 29 et 30 septembre 2006.
Mis en ligne le 26 Mars, 2007
Résumé
Réflexion sur la specificité du journalisme en tant qu’objet d’enseignement et de recherche dans le domaine de la communication. Nous partons de la tradition américaine de recherche sur les mass communications en passant par l’influence française dans la construction théorique des sciences de l´information et de la communication au Brésil, jusqu’au moment présent où nous assistons a la consolidation du champ académique des études sur le journalisme. Les données utilisées dans ce travail ont eté prises dans les travaux récents des chercheurs de la Societé Brésilienne de Recherche en Journalisme (SBPJOR).
Em português
Resumo
Reflexão sobre a especificidade do jornalismo como objeto de ensino e pesquisa na área da comunicação. Partimos da tradição americana dos estudos de comunicação de massa, passando pela influência do pensamento francês na construção teórica das ciências da informação e da comunicação até chegarmos ao que já podemos considerar como o início da consolidação do campo acadêmico nos estudos de jornalismo no Brasil. Os dados utilizados neste texto foram extraídos de trabalhos recentes realizados por membros da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJOR) e apresentados nos últimos congressos da área.
Palavras-chave
Comunicação-informação-jornalismo
Pour citer cet article, utiliser la référence suivante :
Adghirni Zélia Leal, «O lugar do jornalismo na comunicação», Les Enjeux de l’Information et de la Communication, n°07/2, 2006, p. à , consulté le , [en ligne] URL : https://lesenjeux.univ-grenoble-alpes.fr/2006/supplement-a/01-o-lugar-do-jornalismo-na-comunicacao
Introdução
A palavra comunicação comporta vários sentidos. Ela se move em um terreno instável, flou, sem contornos nítidos, nas fronteiras híbridas do vasto campo das ciências sociais e humanas. A construção desse campo singular de conhecimento nasceu polêmica e continua marcada pelo questionamento de sua legitimidade científica. Ainda hoje os especialistas têm dificuldades para delimitar a área da comunicação a partir de uma perspectiva teórica ou de um objeto de pesquisa. E, dentro dessa área, os estudos específicos sobre o jornalismo ainda são vistos com uma certa desconfiança por acadêmicos mais ortodoxos.
Para o pesquisador português Nelson Traquina (1), o jornalismo é um campo específico em relação ao campo midiático, indo além das notícias. Ele afirma que o jornalismo apareceu nas universidades antes da comunicação, e muitas das teorias que existem são próprias do jornalismo, não têm origem na comunicação. Vêm das ciências políticas, da economia, da sociologia, da história e de muitas áreas diferentes. Mas, apesar da dispersão disciplinar, o autor situa o jornalismo no âmbito das ciências sociais.
A primeira tese sobre jornalismo de que se tem notícia no mundo foi defendida na Universidade de Leipzig, Alemanha, em 1690, por Tobias Peucer, com o título de “Relatos jornalísticos”, e é considerada por muitos teóricos um texto fundador para o campo acadêmico. A leitura do trabalho, quatro séculos depois, é surpreendente. Parece escrito no século XXI. Questões como a ética profissional, os critérios de noticiabilidade a mercantilização da informação e a exploração sensacionalista dos fatos já eram abordadas por Peucer. Até o “lead” (os famosos seis Ws), considerado uma invenção norte-americana, já estava presente na obra do pesquisador alemão, que atribuía a origem dessa técnica de abertura do texto jornalístico à retórica cultivada nos discursos da antiguidade clássica.
Segundo o professor Jorge Pedro Sousa da Universidade Fernando Pessoa, a longa permanência da tese de Peucer na obscuridade atrasou os estudos acadêmicos do jornalismo em nível mundial. Sousa atribui esse desconhecimento ao fato de que a tese foi escrita originalmente em latim, tendo sido vertida para o alemão em 1944, isto é, 250 anos depois. E só chegou traduzida para o português em 1990, isto é, 310 anos depois.
Não se poderia deixar de citar, nas origens desses estudos, a contribuição de outro pesquisador alemão, Otto Groth, que, no período entre as duas grandes guerras mundiais, estabeleceu categorias científicas para o jornalismo através de quatro leis: periodicidade, universalidade, atualidade e difusão. Essas leis servem ainda de parâmetro nos estudos contemporâneos de jornalismo. Groth (1883-1965), que foi discípulo de Max Weber, exerceu o jornalismo na Alemanha entre 1906 e 1934, mas teve que abandonar suas atividades quando resistiu ao nazismo em expansão (2).
A abordagem do jornalismo como forma de conhecimento a partir de categorias filosóficas do singular, particular e universal seria retomada nos anos 1980 por Adelmo Genro Filho, na obra “O segredo da pirâmide – uma teoria marxista do jornalismo.”
Influência francesa
A pesquisa em comunicação no Brasil teve profunda influência do pensamento francês, principalmente a partir dos anos 1970, quando começaram a ser criados os programas de pós-graduação em comunicação nas principais universidades brasileiras. Foi em Paris que nossos primeiros teóricos beberam nas fontes do conhecimento de uma área emergente que ainda não tinha nome, mas que atraía filósofos, sociólogos, historiadores e autodidatas curiosos.
Segundo o professor Eduardo Meditsch ( ver bibliografia) os autores franceses estão entre os dez mais citados na bibliografia da pesquisa em jornalismo. De fato é muito comum encontrar referências francesas em textos apresentados em congressos, publicações científicas e teses de pós-graduação nas universidades brasileiras. Trata-se de uma produção intelectual efervescente e inquieta, complexa e abundante, inovadora e crítica que vem abastecendo nossos universitários, principalmente nas últimas décadas. Os órgãos institucionais de fomento à pesquisa registram anualmente dezenas de bolsas de estudos concedidas a pesquisadores brasileiros que elegem centros universitários franceses de referência para aperfeiçoar suas investigações científicas na área de cmunicação.
Nos anos 1960 surgiu na França, dentro de um grupo de pesquisadores apaixonados pelos estudos de comunicação de massa liderados pelo sociólogo Georges Friedmann, junto com Edgar Morin, o Centro de Estudos de Comunicação de Massa (ECMASS), ligado a École Pratique de Hautes Études em Sciences Sociales. Um ano depois, nascia a revista Communications. Mas o nome mais importante desse grupo seria Roland Barthes, que se apropria dos conceitos de lingüística, dando continuidade a um antigo projeto, a semiologia, uma “ciência que estuda o sistema de signos no seio da vida social”, segundo Ferdinand de Saussure em seu célebre Cours de Linguistique Générale, Genebra, 1916.
Os três cursos de Saussure em Genebra são considerados fundadores dos métodos dessa teoria. Para o lingüista suíço, a língua é uma instituição social, enquanto a palavra é um ato individual. Vista por um semiólogo, a sociedade é um conjunto de sistemas de signos governados por leis de combinações, de associações e de diferenças. Essa corrente teve fundamental importância nas pesquisas em comunicação no Brasil, sobretudo na década de 1970. A idéia dominante era que os textos podiam explicar tudo. A análise das mensagens explicaria as transformações culturais operadas na sociedade. A referência a esse movimento aparece no “Espírito do tempo”, tendo à frente Morin e Souchon. Essa forma de análise era percebida como “infinitamente mais urgente” (Barthes) que as entrevistas e as sondagens. Também influenciado pela antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss, Roland Barthes criticava o simplismo da análise de conteúdo. A semiologia de Barthes buscava o sentido nas mensagens subjacentes, freqüentemente ligadas entre si. Ela se interessava mais com a denotação que com a conotação. No contato com a lingüística estrutural, desenvolveu-se a antropologia cultural, cujo principal representante, Claude Lévi-Strauss, trouxe uma fundamental contribuição para o Brasil, com a obra Tristes trópicos, de 1955.
Os mass-media, como se dizia na época, eram o objeto privilegiado de estudo dos intelectuais franceses nos anos 1960-70 e um território privilegiado para a semiologia: os jornais, a televisão, o cinema, a moda, as histórias em quadrinhos…, tudo virava objeto de estudo nessa espécie de nouvelle vague que inundava os meios universitários parisienses. A semiologia se beneficiou de uma onda considerável, em nome de um imperialismo metodológico que queria afirmar a primazia da lingüística como modelo de apreensão de todos os fenômenos sociais (Bourdon,1997). Diversos termos derivariam daí, como “estruturalismo” e “semiologia”, no lugar de “semiótica”, termo usado pelos seguidores de Pierce. Os resultados poderiam ser enriquecedores, mas o projeto semiológico se perdeu no caminho, em favor de um gênero entre o ensaio e a sociologia. Roland Barthes, no entanto, lançou uma crítica ideológica da linguagem, da cultura de massa (Mythologies, 1957), e fez a primeira desmontagem semiológica da linguagem, determinante para os estudos que viriam depois.
Mas é Edgar Morin (L´esprit du temps, 1962) quem realiza uma síntese ambiciosa das pesquisas existentes então sobre as mídias. Partindo das mensagens, ele busca a especificidade dos veículos e seu caráter maciço de difusão, que transcenderia as antigas divisões entre classes e nações e criaria uma nova relação, “errante, desenraizada, móvel no tempo e no espaço”. Morin declara também sua simpatia pela cultura de massa, na mesma linha de Mythologies, de Barthes, e propõe um panorama das temáticas das mídias: os mitos da felicidade e do consumo encarnados pelas estrelas de cinema, a exteriorização multiforme e permanente da violência, o erotismo, o valor da beleza etc.
Surgem nesse clima dois sociólogos, Bourdieu e Passeron, que vão contestar Morin e Barthes e lançar um novo debate: até que ponto podemos isolar os elementos significativos de um texto midiático para explicar a sociedade? O debate, de forma e de fundo, duraria longo tempo, envolvendo outros pesquisadores nessa arena controversa, até que o grande debate público sobre a televisão se impôs na sociedade, a partir do final dos anos 1970, levantando questionamentos teóricos que vão desde a linguagem e o discurso até a questão da ideologia e do engajamento político. Mas esse seria um debate amplo, duradouro, infindável, que extravasaria as ruas de Paris, as fronteiras da França e ganharia o mundo, principalmente a Grã Bretanha e os Estados Unidos, onde intelectuais já haviam se lançado nas discussões dos estudos culturais.
Além dos modelos neomarxistas e funcionalistas, outros modelos de sujeito social foram sendo introduzidos no debate. É ao universo dos sociólogos interpretativos que fazemos referência: interacionismo simbólico, fenomenologia social, etnometodologia, correntes que têm por característica interessar-se pela vida cotidiana das pessoas, analisando suas atividades menos como uso que como interação entre sujeitos que constroem o mundo social e nele conseguem se orientar.
Não poderíamos deixar de salientar, nesse contexto, a influência do sociólogo Armand Mattelard, que nos ensinou a ler o Pato Donald em plena ditadura militar. Belga de nascimento, Mattelard desenvolveu a maioria de suas pesquisas na universidade de Rennes, França. Mas ficaria conhecido, sobretudo, pela obra realizada, juntamente com mulher, Michelle, no Chile, durante o governo da Unidade Popular de Salvador Allende. Beneficiando-se do apoio político, Mattelard, Dorfman e outros pesquisadores tiveram todas as condições para realizar um trabalho profundo de crítica ao imperialismo cultural norte-americano, formando uma geração de opositores à indústria cultural mercantilista. Depois, os tempos se tornaram difíceis na América Latina, dominada por regimes militares durante cerca de duas décadas. Os intelectuais críticos retornaram aos seus países de origem, mas deixaram de herança uma escola de mestres fundamentais para o desenvolvimento de um pensamento latino-americano autônomo e arrojado, tais como Martín-Barbero, Néstor Canclini, Luis Ramiro Beltrán e, sobretudo, no Brasil, o pedagogo Paulo Freire.
Nos anos 1980, o pensamento francês viveu um período agitado por novas correntes teóricas. Os estudos sobre mídia e recepção ocuparam um espaço privilegiado no debate público (Miège, Verón, Champagne, Bourdon). Uma das tendências mais fortes atualmente é a visão apolítica das mídias. Além de Régis Debray, o mais ilustre representante dessa corrente é Jean Baudrillard, que reduz os conteúdos das mídias a simulacros. Ele vê na difusão de massa uma vasta operação de poder contra a qual é impossível lutar. Na mesma linha crítica temos Ignácio Ramonet, crítico voraz da globalização e da supervelocidade da informação. Pessimista, temos ainda Philippe Breton (1999), que chama a atenção para os perigos do culto à Internet e à ideologia da transparência (“tudo o que é super-exposto queima, como a película no claro, como a borboleta na luz”). Por outro lado, é preciso salientar a influência dos teóricos deslumbrados com as tecnologias da comunicação, como Pierre Lévy e Dominique Wolton, que apresentam uma visão otimista das novas mídias, embora afirmem que não bastam as técnicas para garantir a democracia da comunicação. Wolton ama a TV aberta e faz o “elogio do grande público” da televisão brasileira.
Para dar respaldo a essa reflexão sobre a influência francesa no campo das ciências da informação e da comunicação no Brasil, entrevistamos vários pesquisadores e professores de universidades brasileiras (3). Algumas respostas nos parecem mais significativas na interpretação dessa corrente. Para o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mohammed Elhajji (4), “não é preciso lembrar a influência do pensamento francês no mundo. As idéias oriundas do Hexágono são constitutivas da totalidade do saber científico e humano moderno”. Ele afirma que, no Brasil, além do ideário positivista que permeia todo o projeto político e social nacional, a contribuição intelectual francesa foi decisiva para a construção de uma plataforma científica inovadora e eficiente. “A universidade brasileira, por exemplo, cujo propósito central era a disseminação dos princípios iluministas da racionalidade, foi pensada, organizada e estabelecida, em grande parte, no molde francês. Mais especificamente, na área das ciências humanas e sociais, a intelectualidade brasileira soube se impregnar do caldo filosófico francês e reinterpretar seus componentes à luz da realidade local. Quer seja na sociologia, antropologia ou outras disciplinas concomitantes, a episteme francesa é inerente aos mapas cognitivos de seus atores e autores”.
Segundo Elhajji, não poderia ser diferente na mais nova das ciências sociais. A comunicação, campo de reconfiguração e de atualização dos saberes experimentados na sua grande área, se inscreveu, desde seus (relativamente recentes) primeiros esboços, num plano intelectual eminentemente francês.
Porém, mais que uma presença quantitativa, uma tal radiografia revela o impulso fundador do campo da comunicação no Brasil, já que a maioria dos grandes nomes da área tiveram a sua formação intelectual realizada ou completada em instituições francesas. Hoje, ainda, como já apontado, existe um trânsito intenso de pensadores franceses da comunicação nas universidades brasileiras e um fluxo contínuo de estudantes e pesquisadores brasileiros na França. O que significa que essa influência dialógica é uma realidade enraizada, atual e crescente. Um plano integrante e envolvente do cenário intelectual que sustenta os estudos da comunicação no Brasil, insere sua produção no contexto contemporâneo mundial e aponta a perspectiva de suas contribuições futuras.
“O pensamento francês é um mistério”, diz o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) Juremir Machado (5). Ele afirma que “nos meios acadêmicos brasileiros que se consideram científicos, se tornou clichê dizer que toda a pesquisa atual é feita nos Estados Unidos. A França seria apenas o reduto de um ensaísmo ultrapassado. Os grandes investimentos e as grandes investigações estariam concentradas nas universidades norte-americanas”. Mas, para esse professor da nova geração de pesquisadores brasileiros, “paradoxalmente, é mais fácil listar cem ensaístas franceses de renome internacional e de grande influência por suas idéias, citados em dissertações e teses, do que seis pesquisadores norte-americanos determinantes na atualidade para a evolução da compreensão dos fenômenos sociais”.
Origens americanas da pesquisa de comunicação de massa
Não podemos falar da influência francesa sem olhar para os precursores que lançaram as principais bases teóricas desse campo interdisciplinar. Foi a partir dos anos 1940 que explodiu nos Estados Unidos a onda da Mass Communication Research. As grandes perguntas parecem as mesmas há mais de meio século, interpondo emissores, receptores e mensagens intermediados por canais, mas, na verdade, essas perguntas se tornam cada vez mais complexas e sem respostas absolutas.
De caráter funcionalista no início, as pesquisas norte-americanas evoluíram e se desdobraram em várias correntes, extravasando as fronteiras da América, exportando teorias ou atraindo teóricos para seu território. Os contextos e os paradigmas, na pesquisa sobre os meios de comunicação, passariam por vários estágios, podendo ser citados, entre os mais importantes, a teoria hipodérmica, a abordagem empírico-experimental ou da “persuasão”, a abordagem empírica de campo ou dos “efeitos limitados”, a teoria funcionalista das comunicações de massa, o colégio invisível de Palo Alto (efeito circular da informação), a teoria crítica (impacto determinante da Escola de Frankfurt e crítica à indústria cultural), a perspectiva dos cultural studies (grupo de Birmingham, Inglaterra) e outras correntes de menor impacto.
A partir dos anos 1980, os pesquisadores entram numa nova fase teórica e investigam os efeitos a longo prazo da comunicação, dispostos a ultrapassar o impasse do debate ideológico e a propor integrações interdisciplinares possíveis com outros campos do conhecimento. Estamos falando das correntes que estudam a construção social da realidade: hipótese do agenda-setting, da sociologia dos emisssores, do gatekeeper ao newsmaking, as rotinas produtivas, as novas tecnologias, o webjornalismo e a globalização… A lista seria longa e interminável, pois, mais que nunca, essas questões estão vivas na sociedade moderna, que alguns teóricos definem como “sociedade da informação” (Pierre Lévy, 1994).
Ensino da comunicação no Brasil
Segundo José Marques de Melo (2006), a pesquisa sobre o jornalismo no Brasil finca raízes no final do século XIX, tendo como tema principal estudos históricos sobre jornais e revistas. O caráter historiográfico predominaria até as primeiras décadas do século XX, quando surgem os estudos jurídicos e, muitas vezes, as duas vertentes, histórica e jurídica, caminham paralelamente, confluindo com freqüência. Esse panorama só seria alterado a partir dos anos 1960-70, quando os estudos se voltam para a expansão da indústria cultural e para a criação das escolas de comunicação nas universidades. O próprio Marques de Melo seria um dos principais pioneiros dos estudos de jornalismo que serviriam de referência para pesquisas posteriores. Mas não poderíamos deixar de citar outro pesquisador e incentivador do ensino técnico e editorial nos cursos de jornalismo, o professor Luiz Beltrão, autor de várias obras sobre o tema.
Na verdade, o ensino brasileiro de comunicação começou nos anos 1940, com as habilitações de jornalismo, publicidade e propaganda, relações públicas e editoração. O primeiro currículo mínimo é de 1962. Desde então, várias reformas curriculares foram feitas, sob a tutela do Ministério da Educação (MEC). A criação de projetos experimentais, ou TCCs, em 1978, de acordo com a Resolução do Conselho Federal de Educação (CFE), nº. 003/78, tinha por objetivo garantir a prática laboratorial de produtos jornalísticos em função dos ciclos básico (dois primeiros anos) e profissionalizante (dois últimos anos). A crise das universidades públicas impedia que estas adquirissem o material necessário para instalar laboratórios, e a negligência do MEC em fiscalizar essa exigência fazia com que muitos cursos permanecessem apenas com a formação teórica, ainda que de qualidade, sem as práticas recomendadas pelo programa. O mesmo ocorria nas escolas particulares, que tinham tendência a privilegiar as práticas em detrimento das teorias, sendo necessário encontrar um meio termo entre esses extremos.
A proibição dos estágios na área de jornalismo, desde 1979, para evitar a exploração da mão-de-obra barata dos alunos, fez com que a formação prática também sofresse deficiências nas relações entre mercado e universidade. Essa situação mudou bastante, pois o próprio MEC, no início dos anos 2000, contemplou as universidades com modernos equipamentos para estágios laboratoriais na própria instituição. A introdução do estágio supervisionado, finalmente aprovado pelo MEC e Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas), também contribuiu para a melhoria do ensino de jornalismo.
Perdura, no entanto, na academia o debate em termos dicotômicos: formar profissionais altamente qualificados para o mercado ou formar massa critica de comunicadores? A questão é polêmica e não deveria ser levada ao extremo. As reformas permitiram que os cursos de jornalismo reformassem seus currículos, garantindo a viabilização de ambos os perfis. Não há teoria sem prática nem prática sem teoria.
Consolidação do campo do jornalismo
Nas três primeiras décadas de existência da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), o campo de estudos de jornalismo concentrava cerca de 22% da produção de teses e dissertações, sendo superado apenas pelas áreas de comunicação e de audiovisual (cinema, rádio e TV), ficando acima dos estudos de relações públicas, propaganda, turismo e ciências da informação (Proença, 2003). Nesse período ocorre a formação de professores e profissionais brasileiros e latino-americanos que obtiveram na USP os seus títulos de pós-graduação.
A consolidação do campo acadêmico do jornalismo aconteceu em novembro de 2003, com a criação da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJOR), que reuniu uma centena de pesquisadores na Universidade de Brasília. No ano seguinte, em Salvador, o encontro da SBPJOR juntou acima de 300 participantes, com mais de cem trabalhos científicos. Esses encontros significavam a concretização de um antigo projeto dos estudiosos da área. Na verdade, tudo começou durante o I Congresso Luso-Brasileiro e II Luso-Galego de Estudos Jornalísticos na Universidade do Porto, no início de 2003. Os investigadores brasileiros que participaram do encontro decidiram que chegara a hora de fundar uma sociedade científica que desse respaldo e visibilidade às pesquisas tendo o jornalismo como objeto.
Um breve inventário de títulos demonstra que muitas teses produzidas sobre o tema jornalismo eram oficialmente registradas junto aos órgãos de financiamento à pesquisa (Capes, CNPQ e outros) simplesmente como pesquisa em comunicação.
Segundo Meditsch e Segala (2003-2004) (6), os primeiros textos teóricos sobre jornalismo no Brasil datam da primeira metade do século XX, mas a entrada dos profissionais de jornalismo nas universidades começou nos anos 1940. Os cursos de pós-graduação só seriam criados vinte anos depois. Existem atualmente no Brasil 27 cursos de Pós Graduação em Comunicação avaliados pela Capes.
Marques de Melo foi o primeiro pesquisador a defender tese de doutorado em jornalismo, em 1972, na USP. Na época já existia um problema de legitimação na pesquisa em jornalismo, com a introdução da comunicação social como nova disciplina.
O desenvolvimento dessa área acadêmica, chamada no início de comunicação de massa, ou comunicação social, aconteceu gradualmente, a partir dos Estados Unidos na década de 1940. Segundo Venício Lima (2006), os primeiros cursos de jornalismo nasceram nos Estados Unidos como resultado de uma pressão organizada das associações de imprensa sobre as universidades. Elas buscavam a legitimidade para a imprensa por meio da formação universitária reconhecida. Dessa experiência surge a concepção da Mass Communication, que seria uma nova disciplina, capaz de atrair mais apoio, poder e verbas do que o campo do jornalismo havia sido capaz na universidade americana até então. Essa posição busca a legitimação acadêmica da área pelo seu alargamento, e gradualmente torna-se hegemônica no seu interior. Wilbur Schramm, embora fosse originário de uma escola de jornalismo, chega a dizer nessa época que, na nova perspectiva, já não interessa estudar os problemas específicos do jornalismo (Moreno, 2004).
Propagado pela Unesco no período pós-guerra, os estudos de comunicação de massa – depois chamados de “comunicação social” – chegaram ao Brasil na década de 1960, através do Ciespal (Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo para a América Latina), sendo introduzidos currículos mínimos obrigatórios das universidades. Ao contrário do que aconteceu em outros países, no Brasil, segundo Meditsch, a nova disciplina não significou uma “perda de objeto de estudo”. Pelo contrário, o jornalismo tornou-se uma sub-área acadêmica localizada no campo das ciências da comunicação. Também não perdeu a identidade na nova área, e, apesar de passar por crises de legitimação e acomodação ao novo contexto, preservou a vitalidade como área de produção acadêmica.
Trinta anos depois da defesa da primeira tese de doutorado sobre jornalismo, a pesquisa sobre o tema volta a ocupar um espaço de relevância na vasta área da pesquisa em comunicação. Temos hoje cerca de 20 publicações especializadas na área, todas avaliadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do MEC.
O interesse pelo jornalismo na área acadêmica pode ser comprovado pelo número de organizações científicas reconhecidas pelos órgãos de fomento à pesquisa. Além da Intercom, a mais antiga, que abriga um núcleo de estudos sobre jornalismo (um dos mais concorridos para apresentação de trabalhos no congresso anual), existe ainda o GT de Jornalismo da Compós, o Labjor (Laboratório Avançado de Estudos de Mídia, da Unicamp), o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo e, finalmente, a Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, hoje com mais de 200 sócios com nível de pós-graduação.
A iniciativa das sociedades científicas acompanhou a evolução dos números registrados pelo diretório dos grupos de pesquisa do CNPq. No primeiro censo, em 1993, nenhum grupo colocava o jornalismo entre suas palavras-chave. No levantamento de 2002, já apareciam 15. Em junho de 2003, o total registrado no diretório do CNPq havia passado para 47 grupos, e na base corrente de 2005 chega a 68 o número de grupos que registram o jornalismo como objeto de estudo .
Avaliar a produção acadêmica em jornalismo no Brasil é tarefa quase impossível. Não existe um banco de dados que centralize a pesquisa realizada nos diversos programas de pós-gradução. O sistema Lattes do CNPq registra os dados de acordo com as informações enviadas pelos próprios investigadores e não tem sido utilizado de maneira muito consciente.
A pesquisa realizada por Eduardo Meditsch, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que estamos usando como referência neste trabalho, mostra as condições bastante limitadas para a organização de dados sobre os campos de investigação na pesquisa brasileira em jornalismo. Ele optou por uma amostra aleatória, representada pelos trabalhos apresentados por pesquisadores brasileiros nos congressos nacionais da área, entre 2003 e 2004, totalizando 263 trabalhos. Nem todos os trabalhos de investigação realizados sobre jornalismo chegam aos congressos e aos grupos específicos de jornalismo dentro deles. Muitos não passam pela seleção, mas, com exceção do que pode ocorrer na Compós, onde há uma limitação quantitativa muito rígida (apenas 10 trabalhos por ano por GT), e 80% das candidaturas ficam de fora, nos demais encontros (SBPJOR e Intercom) estima-se que a maioria dos trabalhos com qualidade sejam aprovados.
Nos congressos da área maior da comunicação, como Intercom e Compós, muitos trabalhos sobre jornalismo são apresentados em outros grupos temáticos, como o de comunicação e política, ou de comunicação audiovisual, por opção de seus autores, conforme as interfaces que desejam evidenciar. Esses trabalhos, que nem sempre são fáceis de identificar como relacionados ao jornalismo a partir dos títulos, não foram incluídos na amostra, o que, segundo Meditsch, pode provocar algum viés em relação aos campos de investigação. O mesmo pode ocorrer por não estarem incluído os congressos nacionais com temáticas específicas, como o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), onde anualmente são apresentados mais de uma centena de trabalhos sobre o ensino da profissão, e a Rede Alfredo de Carvalho para a História da Mídia, que conta com um GT sobre história do jornalismo.
O primeiro aspecto analisado em relação aos campos de investigação desses trabalhos foi o da temática. Porém, a classificação temática não é um assunto pacífico na área. Trabalhos recentes, que analisam a mesma questão, propõem classificações diferenciadas. Em artigo sobre o estado da arte da pesquisa em jornalismo, Pereira e Wainberg (1999) definem 14 categorias: jornalismo organizacional, ética do jornalismo, ensino do jornalismo, direito da comunicação, história do jornalismo, jornalismo alternativo, jornalismo e ciência, jornalismo e economia, jornalismo e empresa jornalística, jornalismo internacional, jornalismo e política, linguagem e tecnologia do jornalismo, memória do jornalismo e, finalmente, teorias do jornalismo. Elias Machado (2004) propõe oito categorias ou linhas de pesquisa: história do jornalismo, teorias do jornalismo, análise do discurso, produção da notícia, recepção, jornalismo digital, teorias da narrativa, jornalismo especializado.
Luiz Gonzaga Motta (2004) prefere classificar todas as pesquisas em jornalismo dentro de dois grandes paradigmas: “midiacêntrico” e “sociocêntrico”. Já Márcia Bennetti Machado (2004) propõe nove categorias: história do jornalismo, estudos de linguagem, produção da notícia e processos jornalísticos, estudos de recepção, jornalismo digital, ética e jornalismo, jornalismo e educação, teorias do jornalismo, jornalismo especializado.
Um segundo aspecto que observamos em relação aos campos de investigação foi o do foco dos estudos: recortes de abrangência local e/ou regional foram os mais recorrentes, seguidos pelos de abrangência nacional. Os estudos sobre temas de abrangência internacional e/ou universal foram mais raros, embora 37,3 por cento dos trabalhos não pudessem ser classificados nesses termos, geralmente por sua temática abstrata.
Outro aspecto observado pelos autores da pesquisa revela que o meio de comunicação é objeto de investigação na pesquisa em jornalismo. O jornal continua sendo o veículo mais estudado por nossos pesquisadores. As pesquisas sobre Internet aparecem em segundo lugar, superando o interesse tradicional pela televisão.
Os trabalhos acadêmicos desenvolvidos atualmente no Brasil apresentam várias interfaces. Apesar da multidisciplinaridade inerente ao campo, os autores que trabalham com jornalismo são responsáveis por mais de 40% das citações, e os autores das demais sub-áreas da comunicação, por outros 20%. Nas demais, prevalecem a sociologia, as ciências da linguagem e a filosofia, seguidas pelas demais disciplinas das ciências humanas. Consideramos as áreas de atuação principal dos autores, a partir de seus currículos e publicações, embora muitos possam atuar em mais de uma área.
Quanto à classificação dos tipos de pesquisas realizadas, Meditsch conclui que apenas um trabalho representa pesquisa aplicada propriamente dita. Apesar de a área da comunicação ser classificada pelas agências de fomento no Brasil como de “ciência social aplicada”, ele identificou que 56% dos trabalhos são ensaios e teorias, 43,3% são trabalhos empíricos e apenas 1% é pesquisa aplicada.
Outra dificuldade é que, no campo do jornalismo como em geral nas ciências sociais, a pesquisa empírica não goza do mesmo prestígio que a formulação teórica. Exemplo disso é o fato de o GT de jornalismo da Compós, o mais seletivo de todos, ter a teoria do jornalismo como o seu tema mais freqüente (Machado, 2004).
Apesar da precariedade dos dados apresentados sobre a pesquisa em jornalismo atualmente no Brasil, podemos constatar que ela vem crescendo e ocupando lugar de destaque na área das ciências da informação e da comunicação. A criação de órgãos específicos nas universidades e o apoio que vem recebendo de órgãos oficiais de fomento à pesquisa comprovam a construção da legitimidade do campo das mídias na pesquisa de alto nível. O desafio que se coloca agora é crescer e consolidar a singularidade do campo do jornalismo como produtor de sentidos e como forma de conhecimento dentro das ciências sociais.
Notas
(1) Entrevista exclusiva para a revista da Universidade Federal de Santa Catarina, Estudos em Jornalismo e Mídia. vol.1 nº2, 2º semestre 2004, p.200.
(2) Para conhecer melhor a obra do pesquisador alemão, ler O jornalismo como disciplina científica: a contribuição de Otto Groth, de Wilson da Costa Bueno. São Paulo: ECA/USP,1972.
(3) Ver texto completo da autora no livro Diálogos entre o Brasil e a França: formação e cooperação acadêmica, com o titulo “O pensamento francês no campo da comunicação no Brasil”, obra organizada por Carlos Benedito Martins para o MEC durante o Ano do Brasil na França, 2005.
(4) Jornalista marroquino naturalizado e radicado no Brasil, doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ, onde leciona nos cursos de graduação e pós-graduação. Especialista em estudos de mídia e globalização.
(5) Jornalista, escritor, doutor em sociologia da cultura, professor da graduação e da pós-graduação da Faculdade de Meios de Comunicação Social (Famecos) da PUC/RS.
(6) Eduardo Meditsch é professor da Universidade Federal de Santa Catarina , Pesquisador do CNPq e Diretor Científico da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
Mariana Segala é acadêmica de jornalismo na UFSC e Bolsista de Iniciação Científica do CNPq
Referências
ADGHIRNI, Zélia Leal. “O Pensamento francês no campo da comunicação no Brasil”. In: Diálogos entre o Brasil e a França: formação e cooperação acadêmica. Recife: Ed. Massangana – Fundação Joaquim Nabuco, 2005.
MACHADO, Elias Gonçalves. “Dos estudos sobre o jornalismo às teorias do jornalismo: três pressupostos para a consolidação do jornalismo como campo de conhecimento”. Texto apresentado no Seminário Interprogramas da Compós. Brasília, 2004
MEDITSCH, Eduardo. “Cinco problemas a superar na pesquisa em jornalismo no Brasil e na América Latina”. Comunicação ao IV Fórum Nacional de Professores de Jornalismo. Campo Grande, 2001
MEDITSCH, Eduardo e SEGALA, Mariana. “A pesquisa brasileira em jornalismo apresentada na SBPJor”. Comunicação ao II Congresso Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. Salvador, novembro de 2004
MARQUES DE MELO, José. “A produção acadêmica brasileira em Comunicação: perspectivas dos novos tempos”. Revista Famecos. Porto Alegre: Famecos PUC-RS, 1999, pp. 7-26
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Revista Estudos em Jornalismo. Tema: Os relatos jornalísticos (textos de Jorge Pedro Sousa, Orlando Tambosi e Dione Moura). Universidade Federal de Santa Catarina: Editora Insular, v. 1 nº. 2, 2º sem 2004
__________.Tema: Sociologia do jornalismo (textos de Zélia Leal Adghirni e Adelmo Genro Filho). Universidade Federal de Santa Catarina: Editora Insular. v. 2 n.1, 1º sem 2005.
Auteur
Zélia Leal Adghirni
.: Professora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília(UnB) e chefe do Departamento de Jornalismo. Doutora pela Universidade de Grenoble, França. É bolsista do CNPq e coordena o grupo de pesquisa da FAC/UnB em cooperação com a Universidade de Rennes 1-França. Tem vários artigos publicados na área de jornalismo, é membro fundadora da SBPJOR ( Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo) e foi jornalista durante mais de dez anos no Brasil e no exterior