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Mídia das Fontes: um novo ator no cenário jornalístico brasileiro

26 Jan, 2007

Résumé

Un nouvel acteur est apparu sur la scène des producteurs d’information au Brésil. Ce phénomène exige un renouvellement des cadres d’analyse du journalisme et de l’identité professionnelle des journalistes. Des groupes issus de la société civile et des pouvoirs publics introduisent dans la sphère médiatique un nouveau type de diffuseurs d’informations. Ces médias sont gérés par des acteurs sociaux qui, auparavant, étaient à peine considérés comme des sources d’informations. Des journaux à grand tirage, des chaînes de radio et de télévision ou des programmes spéciaux sont proposés au public par des syndicats, des organisations non gouvernementales et des mouvements sociaux, qui nourrissent et influencent l’agenda médiatique.
Des professionnels de presse s’approprient ainsi de nouveaux territoires professionnels, où transitent des routines, des valeurs et des paradigmes journalistiques à la fois proches et différents de la communication institutionnelle. La presse perd ainsi son monopole sur l’information : le public dispose désormais d’un accès à des informations produites et diffusées par les acteurs mêmes de l’actualité, autrement dit les sources.
Ce travail entend analyser le phénomène des médias de source à partir de deux paramètres :

  1. A travers le concept d’accès au débat contradictoire dans la sphère publique, il s’agit d’évaluer les interférences de ces nouveaux médias sur la construction  de l’agenda public
  2. A travers le concept de territoire professionnel, il s’agit d’évaluer la manière par laquelle cette activité, au départ considérée comme une forme de communication institutionnelle, interfère dans les routines et les critères des journalistes, ainsi que dans les représentations qu’eux-mêmes se font de leur profession

Mots clés

Médias de source – Journalisme corporatif – Territoire professionnel

Em português

Resumo

Há um novo ator no cenário informativo brasileiro que nos impõe ótica diferenciada na análise do Jornalismo e da identidade dos jornalistas. Setores da sociedade civil e do Poder Público trazem à esfera midiática um novo tipo de emissor de informações. São meios mantidos por atores sociais até então considerados apenas como fonte de informação. Jornais de grande circulação, emissoras de rádios, TV e programas especiais são disponibilizados à sociedade por corporações, organizações não governamentais e movimentos sociais influenciando o conteúdo da agenda apresentada à opinião pública.
O jornalista se vê num novo território profissional onde rotinas e paradigmas específicos do jornalismo transitam com os da comunicação institucional. A imprensa perde o seu monopólio informativo e a sociedade se vê consumindo informações produzidas e veiculadas pelos próprios atores do fato, ou seja, a fonte.
Este trabalho pretende analisar esse fenômeno da mídia das fontes a partir de dois parâmetros:
Pelo conceito de disputa da esfera pública: avaliar a interferência desta nova mídia na construção da agenda disponibilizada à opinião pública.
Pelo conceito de território profissional: avaliar como tal atividade, inicialmente enquadrada como comunicação institucional, interfere nas rotinas e critérios jornalísticos e mesmo na representação profissional que os mesmos detêm sobre sua profissão.

Palavras – chaves

Mídias das Fontes – Jornalismo Corporativo – Território Profissional

Pour citer cet article, utiliser la référence suivante :

Sant’Anna Francisco, « Mídia das Fontes: um novo ator no cenário jornalístico brasileiro« , Les Enjeux de l’Information et de la Communication, n°07/2, , p. à , consulté le , [en ligne] URL : https://lesenjeux.univ-grenoble-alpes.fr/2006/supplement-a/31-midia-das-fontes-um-novo-ator-no-cenario-jornalistico-brasileiro

Apresentação

No cenário da difusão de informação no Brasil, desponta um novo e diferente ator. Entre os meios de comunicação, públicos ou privados, novos veículos informativos são ofertados por organizações profissionais, sociais e inclusive por segmentos do Poder Público. São mídias mantidas e administradas por atores sociais tradicionalmente vistos como fontes de informações e, por isso, as denominamos Mídias das fontes. Estas fontes, na maioria grupos de interesses, se apresentam à esfera pública desempenhando o papel de atores políticos (Offerlé, 1994: 47).Deter visibilidade pública é o objetivo desses grupos, uma vez que para interferir na esfera pública, neste período de pós-modernidade, é necessário estar inserido na agenda midiática.
A imprensa, vista como um expectador externo aos fatos, perde paulatinamente o domínio total da cena informativa. A opinião pública passa a contar com informações coletadas, selecionadas, filtradas, tratadas editorialmente e difundidas por entidades ou movimentos sociais. São veículos capazes de trazer à sociedade em geral a perspectiva do segmento sócio político que os mantém e que permite igualmente interferir na moldagem da esfera pública. O conjunto de informações difundidas por esta mídia denominaremos de Jornalismo das Fontes e os profissionais que nela atuam de Jornalistas das Fontes.
Como analisar tal fenômeno? Estaremos diante de mais uma etapa de transformação do Jornalismo provocada por uma construção sociocultural brasileira? Seria um retorno ao Jornalismo de Transmissão (Brin, Charron e De Bonville, 2004: 03/143), no qual existe uma interferência direta das fontes? Seria correto classificar a informação difundida pela mídia das fontes como Jornalismo? Ou é mais adequado inseri-la no campo das Relações Públicas, da Publicidade e Propaganda e até mesmo do Lobbying? Estará surgindo um Jornalismo de Influência e, conseqüentemente, de um novo segmento profissional, qual seja o de Jornalista de Influência? Os questionamentos são diversos e nos obrigam a uma reflexão profunda.

Uma nova mídia para obter mais espaço na esfera Pública

Lado a lado com uma imprensa comercial poderosa e com um sistema público extremamente precário, que praticamente se limitam a ser porta vozes do poder, as mídias das fontes buscam interferir no processo de construção da notícia (newsmaking) e na formação do imaginário coletivo, principalmente entre os formadores de opinião. A sociedade brasileira conta com uma diversidade midiática pouco conhecida em outros cantos do planeta. Pode se informar por meio das emissoras radiofônicas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), da Associação de Prostitutas da Bahia, do Exército, da Justiça ou do Parlamento. Os poderes Judiciário e Legislativo também possuem emissoras de televisão e serviços de agência de notícias. Dentre as entidades de classe, a Central Única dos Trabalhadores – CUT, a Confederação Nacional das Indústrias – CNI e o Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura – Confea atuam por meio de televisão. No segmento religioso, os espíritas, católicos e evangélicos possuem canais de rádio e televisão (Campbel, 2004:14) e jornais com grandes tiragens (1).
Até mesmo o Sport Club Corithians possui programas semanais de televisão.
A ação informativa das fontes engloba a produção de jornais e revistas, programas de rádio e TV, além de diversas estruturas que atuam como agências de notícias, muitas especializadas em produzir e fornecer às mídias tradicionais conteúdos já formatados para a veiculação imediata na TV e no rádio. São os chamados releases eletrônicos, cuja aceitação é alta, pois apresentam temáticas e formatos satisfatórios, além do fato de serem gratuitos. Elas são adequadas às estruturas reduzidas das redações jornalísticas. A sociedade civil brasileira se organiza cada vez mais para falar diretamente à opinião pública sem intermediários.
A crítica comum à informação difundida pelo jornalismo institucional baseia-se na leitura de esta não estaria desprovida de segundo interesse e sim a serviço de um propósito político, econômico, comercial ou de qualquer outra ordem. Este argumento se fragiliza face à grande similitude existente entre o conteúdo difundido pela imprensa e os disponibilizados pelas assessorias de comunicação. Na grande imprensa norte-americana, perto de 70% dos textos publicados consistem numa re-redação do discurso das fontes oficiais (Koch, 1990: 175). Na França, quarenta mil attachés de presse abastecem a imprensa (Neveu, 2001: 96). No Brasil, segundo dados do Ministério do Trabalho de 2003, o jornalismo institucional representava 60% do mercado dos jornalistas.
A objetividade da imprensa é questionada também em decorrência das estratégias discursivas das fontes que se vale de pseudo-acontecimentos (factóides) organizados para influir sobre o texto jornalístico e no agendamento temático (De Bonville, 2001). Acrescente-se o uso camuflado de matérias pagas, verbas publicitárias e pressões políticas para incentivar ou impedir a divulgação de determinados assuntos. Na Argentina, 70% dos jornalistas admitem influência do departamento comercial na redação dos textos jornalísticos (Fopea, 2005).
A existência de mecanismos de difusão de idéias e valores por meios de comunicação de massa distintos dos tradicionais deve ser vista como uma busca de espaço na esfera pública. Como uma disputa por um pedaço, grande ou pequeno, hegemônico ou não, de um lugar ao sol na esfera pública concebida por Habermas (1992: 195). Um conflito com características ideológica e argumentativa, onde os meios e os conteúdos das mensagens são os objetos da disputa. Se, no idioma habitual, todas as palavras já são consideradas instrumentos de combate (Bourdieu, 2002: 12), a gerência de meios de difusão massiva assume padrões de importância e de estratégia ainda maiores.
Na sociedade, três naturezas de poder convivem regularmente. São elas a econômica, baseada nos meios de produção; a política, calcada na hegemonia nas relações sociais; e a simbólica, baseada naforça legitimadora e que se apresenta, hoje, como um dos mais importantes devido, principalmente, ao desenvolvimento dos meios de comunicação (Guareschi, 2000: 64). No Brasil, existe uma simbiose desses três poderes, uma vez que a classe política é a grande detentora dos meios de comunicação de massa, principalmente rádio e TV, e, quando não são os políticos os próprios empresários, estes representam o interesse da classe econômica.
Os processos decisórios se subordinam a um perfil de informações que atende a interesses políticos, econômicos, com características globais e hegemônicas. É a rede global das novas mídias que define a essência da expressão cultural e da opinião pública. E a difusão de sua lógica altera radicalmente a operação e os processos produtivos e o estoque de experiência, cultura e poder(Dupas, 2000: 45-47). Não são raros os casos de parcialidade editorial e de jogo de interesses da imprensa com o poder. Múltiplos foram os momentos em que a imprensa, para atender interesses próprios ou alheios, camuflou ou ignorou a realidade dos fatos, difundiu informações deturpadas, ou simplesmente deixou de informar temas desinteressantes às classes hegemônicas.
Na atualidade, a produção das representações do mundo social é uma dimensão fundamental da luta política e é quase um monopólio das elites intelectuais(Bourdieu, 2002: 62).A outra parcela deste monopólio, diríamos nós, está nas mãos das forças econômicas. Beneficia-se do poder simbólico, que detém a força legitimadora, aquele que tem acesso aos meios de comunicação, que criam e garantem esse poder simbólico (Guareschi, op.cit.). O sistema também atua com parâmetros mercantis. Prevalece a ótica de ampliar audiências e vendas de periódicos. A informação é tratada como uma mercadoria.
Esse quadro editorial ajudou a desenvolver uma crescente consciência entre os segmentos organizados da sociedade brasileira, de que a construção da cidadania passa pela discussão do papel do exercido pelos meios de comunicação social (idem: 68).Informar e se informar livremente, falar e ser ouvido são direitos necessários à construção da cidadania e da democracia no Brasil, nem que para isto seja preciso construir sua própria mídia. A luta pelo conteúdo da agenda se constitui, de fato, numa disputa pela predominância de determinadas idéias na esfera pública, pois isto pode influenciar, dentre outros efeitos, na definição de políticas públicas.
Os mass media se transformam em campos de batalha.A difusão de conteúdos é o núcleo deste conflito. O alvo a ser conquistado é a hegemonia na construção da agenda. Estar inserido na agenda é uma tentativa de garantir um referencial ideológico dentro da opinião pública. A ação das mídias e a capacidade dos cidadãos em intervirem sobre a esfera pública estão diretamente conectadas. (Schlesinger e Tumber, 1995: 8). Os meios de comunicação não só focalizam os temas a serem debatidos pela sociedade, como também interferem nos valores, opiniões e sentimentos que os indivíduos terão sobre o mundo que os cerca. (Marshall, 2003: 56). Este conjunto de informações suspensas e em trânsito sobre e dentro do meio ambiente social é capaz de pressionar e influenciar os poderes político, econômico e social. Por meio desta metáfora bélica, podemos dizer que os instrumentos de comunicação, dependendo de suas complexidades conjunturais e estruturais, poderão desenvolver ações de guerrilha pontuais ou mesmo de combate massivo, aberto e frontal. A agenda midiática acaba sendo o resultado desta batalha de interesses. Parodiando Howard Becker (1985), a agenda midiática é, a exemplo da realidade social, fruto das ações que provocam o confronto dos atores sociais.
Assim, torna-se crucial o controle dos meios de comunicação e dos fluxos simbólicos como instrumento de poder nas sociedades modernas (Guareschi, 2000: 45). É estratégico controlar os meios de comunicação – peças chaves do mecanismo de fazer prevalecer sobre a esfera pública os valores e idéias – ou, ao menos, influenciar os conteúdos por eles massificados. Na impossibilidade de interferir satisfatoriamente na mídia tradicional, cresce a função estratégica da mídia das fontes. O expressivo aparecimento das mídias das fontes constitui-se um novo armamento neste front de disputa midiática.

Cenário nacional

No Brasil, a união de alguns fatores, dentre os quais destacamos o monopólio informativo, o marco jurídico regulatório das profissões, a evolução da conjuntura política, do perfil sindical operário, das tecnologias de comunicação e, em especial, o descontentamento com o perfil da agenda existente, contribuíram para a formação de um cenário especifico. Um cenário fértil para o nascimento e proliferação de uma imprensa mantida pelas fontes, a atuando de forma paralela à imprensa clássica.
O país, como é sabido, vivenciou uma ditadura militar entre 1964 e 1984. Diante de uma imprensa censurada, auto censurada, ou mesmo partisane do regime, as forças políticas adversas fundaram, inicialmente, uma imprensa alternativa. A imprensa nanica não sobreviveu à violência do regime de exceção. Privados dos canais tradicionais, a oposição buscou na comunicação institucional, notadamente no seio das entidades sindicais, religiosas e comunitárias – onde o pensamento de esquerda era mais fértil – o canal para se contrapor ao conteúdo da agenda proposta pelo sistema.
Com a reabertura política anos 80, influenciada especialmente por um novo movimento sindical nascido na Região do ABC em São Paulo, operários, intelectuais e estudantes ensaiaram novos momentos para o Brasil. Simultaneamente, as estruturas de comunicação institucional das entidades já citadas ampliavam a ação de contraponto à agenda oficial, verbalizada pela imprensa tradicional. A imprensa sindical e operária assumiu um papel equivalente à presse de gauche francesa, fenômeno que semeou um modelo diferenciado de jornalismo institucional.
Este modelo, interessado em dar visibilidade a opiniões marginalizadas e pautar contra-informações (counter-issues) (Mathes e Pfetsch, 1991: 55), importou da imprensa tradicional os valores e técnicas jornalísticas. Priorizou a informação conscientizadora de relevância sócio-comunitária em detrimento dos padrões da comunicação institucional vinculada ao marketing, à propaganda, a Relações Públicas. Uma experiência fundamental para construir um jornalismo institucional balizado pelos valores da transformação social e não apenas restrito ao desenvolvimento da imagem institucional. A intenção era a de desenvolver a consciência política e de criar uma resistência social às propostas dos militares que ocuparam o poder no Brasil (Benevenuto Jr e Castro, 2004).
Esta imprensa das fontes soube se valer das novas tecnologias comunicativas, favoráveis a descentralização e ao pluralismo de conteúdos (BERTRAND, 1983: 2-5), para assumir, num segundo momento, características semelhantes aos mass media. Do jornal tablóide ou do panfleto ela passa aos canais de rádio e de TV, ao cabo e ao satélite.Entretanto, se ainda persistem estruturas de resistência, guerrilheiras, digamos assim, que buscam fazer o contra-discurso – seriam, por exemplo, os veículos de comunicação do MST ou a rede de Rádios Comunitárias das Caboclas da Amazônia – este savoir-faire foi apropriado por segmentos sociais mais poderosos, como empresários, políticos, juristas, militares, que buscam reforçar suas armas embora tenham sempre contado com espaço na mídia.

Campo e território

No processo industrial da notícia brasileiro, é vital o papel desempenhado pelas estruturas de assessoria de imprensa. É difícil identificar o que é causa e o que é conseqüência. A história aponta que os veículos reduziram suas equipes, eliminaram coberturas jornalísticas setorizadas, dispensaram os profissionais especializados em temas considerados de segunda importância editorial pelo novo paradigma mercantil e passaram a atuar nestas áreas quase que apenas com os informes institucionais. Em determinados setores, praticamente, a totalidade do noticiário passou a ser assegurada, ou pelo menos mediada, pelas próprias fontes (Sant’Anna, 2005).
A redução do plantel de jornalistas aguçou o interesse dos grupos de interesse em garantir seus espaços na imprensa. Para isso, passaram, eles mesmos, a empregar jornalistas para coletar e municiar a mídia com as suas notícias. Em 2004, seis entre cada dez jornalistas atuavam para as fontes fora das redações. Jornalistas que no passado foram excelentes repórteres de Saúde, de Educação, especializados em questões jurídicas, ambientais, indígenas e mesmo na área econômica e política, continuam a atuar na mesma temática, mas do outro lado da notícia. As informações que no passado eram privativas de um único veículo hoje são distribuídas de maneira generalizada.
Ao contrário do ocorrido em outras nações, a corporação de jornalistas, leia-se Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj e sindicatos, não se opôs ao novo espaço. Pelo contrário, defendeu que o campo do jornalismo institucional deveria ser ocupado exclusivamente pelos detentores de registro profissional. Para a construção deste novo território, houve paulatinamente a apropriação de um espaço pré-existente, por onde transitavam publicitários, relações públicas, jornalistas e curiosos sem qualquer formação. Assim como os militantes do MST em busca de novas terras, os jornalistas ultrapassaram as fronteiras profissionais, invadiram, acamparam e se apropriaram de um domínio que julgavam deles por direito. Num espaço profissional saturado, seria normal que os profissionais afetados procurassem terras virgens e expandissem o território de suas fronteiras ocupacionais. A fronteira não é um limite formal de um território de um grupo social, mas sim um espaço novo a ser ocupado e conquistado (Ruellan, 1993: 47). Os jornalistas brasileiros e suas entidades representativas somaram esforços para que o Estado, a sociedade e os próprios jornalistas reconhecessem as atividades concernentes às assessorias de imprensa como um campo jornalístico. A construção deste território e a introdução neste campo de técnicas e valores comuns ao jornalismo praticado nas redações contribuíram, igualmente para o surgimento de uma mídia das fontes.
A noção bourdieniana de campo é bastante útil para explicar tal fenômeno. Campo é um universo no qual as características do produtor são definidas pela sua posição na relação da produção e pela posição ocupada em determinados espaços de relações objetivas (Bourdieu, 2002: 82). É uma espécie de microcosmo, no qual cada ator possui objetivos e interesses específicos. São fragmentos do espaço social com autonomia para estabelecer suas regras e de se precaver de interferências externas de outros campos. À estrutura de um campo corresponde um estado de relação de forças, da capacidade de modificar ou conservar o capital específico desse espaço, tais como formação acadêmica, conhecimento, estilo de vida, conquistas profissionais, etc. (Chauviré e Fontaine, 2003: 16).
Já o campo jornalístico deve ser concebido como um sistema determinado por constrangimentos e pressões enquadrados em três níveis distintos: o jurídico (lei de imprensa, regulamentação profissional, etc.); o técnico profissional e o econômico (Rieffel, 1984: 24). Particularmente, acrescentaríamos mais dois níveis: o ideológico profissional e o sócio-cultural. O conceito de campo permite designar um espaço social relativamente autônomo. Nele, o limite está na adesão dos participantes a um perfil de valores, às convenções de práticas de comportamento entre atores – tais como no caso jornalístico, o uso do off, do anonimato da fonte e de preceitos éticos – que passam a constituir o capital, a noção que designa os recursos simbólicos, econômicos, etc. (Neveu, 2001: 36).
O Jornalismo é uma prática cultural e se reproduz da mesma maneira das outras práticas sociais (Charron e De Bonville, 2004: 58). No Brasil, a reprodução para o âmbito do jornalismo institucional se deu na medida em que as assessorias de imprensa notabilizaram-se pelo ideal de dar transparência às entidades assessoradas e o quadro legal conseguiu separar Publicidade de Relações Públicas e estes dois de jornalismo institucional.

Perfil do mercado de trabalho

Pelos dados de 2004 (Vide gráfico I) os jornais, revistas e agências abrigavam 6.415 jornalistas oficialmente contratados pelo setor privado, 20,8% dos profissionais empregados. A televisão e o rádio são os principais meios de comunicação do Brasil. Num país de 8 milhões de km2, onde comprar um jornal custa caro, onde 31,5% dos habitantes têm menos de 15 anos de idade e 13% do grupo com mais de 15 anos é analfabeto, somente um sistema de difusão gratuito e oral poderia progredir. São 416 emissoras de TV geradoras e 9.543 repetidoras, operando em VHF, Very Hight Frequence. Quatro redes operam em freqüência UHF, Ultra High Frequence. O sistema conta com duas redes satelitais, uma terceira pelo sistema de microonda dirigida (MMDS) e dois grandes operadores de TV a cabo. O rádio brasileiro representa um universo oficial de 3.076 estações que operam em FM, OM, OC e Tropical. Toda esta estrutura reunida empregava apenas 5.654 profissionais, 18,4% do total.
O baixo nível de empregos se deve ao fato destas emissoras trabalharem, basicamente, pelo sistema de redes nacionais – onde um centro produtor massifica para as demais estações o conteúdo a ser difundido – mediante a comercialização de espaços na grade de programação, inclusive a jornalistas que passam a atuar como produtores independentes; e pela utilização massiva de reportagens, programas completos e outros tipos de produtos elaborados por empresas especializadas em produzir e difundir conteúdos institucionais sob o formato jornalístico. Estas empresas são denominadas no jargão profissional de produtoras e atuam também no campo da televisão e do jornalismo impresso.
Em relação ao jornalismo produzido e difundido pela Internet, a webimprensa, não existem dados confiáveis, mas o setor tem participação residual na oferta de trabalho. Segundo o portal do jornal colombiano El Tiempo, a webimprensa na América Latina se concentra principalmente no trabalho de re-redação e de edição de textos produzidos por outrem. Conseqüentemente, um percentual significativo dos que para ela trabalham não são jornalistas ou se o são, não possuem contratos como tal. O enquadramento utilizado pelas empresas que operam estes sítios jornalísticos é o de provedor de conteúdo. A verba das empresas jornalísticas para as atividades em linha representa entre 5% e 10% das despesas das redações tradicionais (3).
Gráfico I Perfil do Mercado de Trabalho dos Jornalistas em % Brasil – 2004 – Iniciativa Privada


Fonte: Relação Anual de Informações Sociais – Ministério do Trabalho do Brasil

Entretanto, a Internet é largamente utilizada no Brasil pelas assessorias de imprensa como suporte para a difusão de informação. Esta atividade não se limita ao envio de comunicados de imprensa via correios eletrônicos. Ele engloba a ação de produtoras especializadas na difusão em linha de textos, fotos, notícias e programas radiofônicos formatados em arquivo MP3 para uso gratuito pela mídia. Estas produtoras, em muitos casos, se auto-apresentam como agências de notícias, assumindo uma identidade de mídia das fontes. Estes serviços são também regularmente operados por ONGs e movimentos sociais que trabalham com temas nem sempre priorizados pela imprensa, tais como infância, meio-ambiente, causa indígena, de gênero, etc.

Extra-redação

O saldo restante de empregos estava no segmento denominado pelos economistas de extra-redação. Em 2004, ele ocupava 18.679 jornalistas, 60,86%. O peso do setor é significativo. Mesmo em períodos de crises econômicas nacionais, como as vivenciadas em 2001, (ou em decorrência delas) o segmento mostra sua amplitude. Entre 2001 e 2002, período economicamente negativo para o país e para a imprensa, os jornalistas que atuam no setor extra-redação gozaram de uma estabilidade no emprego mais forte do que seus colegas de redação. A crise econômica provocou entre um ano e outro uma redução de 18,55% nos postos de trabalho na imprensa escrita. O rádio e a TV apresentaram um tímido crescimento de 1,88%. Fora das redações, contudo, o setor ampliou as contratações em 16,46%. Em 2004, o crescimento em relação a 2001 já era superior a 100%.
No Brasil, as fontes colocam em ação, cada vez mais, estratégias que visam criar as condições ideais para influenciar na construção da notícia. Este fenômeno nacional se baseia no processo de profissionalização das fontes, pelo qual se busca desenvolver, nas palavras de Philip Schlesinger (1992: 75-99), uma cooperação interessante para reforçar as relações com a imprensa e seus profissionais. Estas relações necessárias à obtenção de maior visibilidade a suas informações. Por este processo, diversas estruturas profissionais são constituídas interna ou externamente às fontes com o objetivo de atuar como verdadeiras usinas de pré-produção e pré-elaboração de conteúdos visando uma interferência na agenda midiática. (Schlesinger e Tumber, 1995: 182)
Os dados anteriores demonstram a existência de um perfil editorial que se vale intensamente dos conteúdos produzidos externamente à empresa jornalística para a composição dos produtos que difundem (rádiojornal, telejornal, jornal e revista). Isso torna a presença dos jornalistas dispensável, ou pelo menos reduzida, dentro das redações, mas bastante necessária fora delas, junto às fontes. Eles são importantes atores externos que atuam na construção da notícia, no newsmaking, e no processo de agendamento. Surge uma espécie de fast food ou prêt à porter do jornalismo e a ampliação do fluxo de informação em direção às redações pode contribuir para a queda da independência e da qualidade do trabalho jornalístico e a transformação das redações em autênticos departamentos de seleção e triagem de notícias pré-produzidas para a difusão. (Wolf, 2003: 119.).

Mídia das Fontes

Parece-nos que a especificidade brasileira se repousa no fato de que as fontes não se limitaram a tentar intervir sobre a agenda da imprensa tradicional e partiram para difundir, elas mesmas, diretamente à opinião pública, constituindo para tanto os seus meios de comunicação, as mídias das fontes. Verifica-se uma inversão de papéis no cenário da transmissão de informações: as fontes assumem o papel de difusor, qui sa de broadcaster, com critérios editoriais próprios para definir os parâmetros de noticiabilidade e de enquadramento (framming). Eventualmente, esses critérios divergem daqueles utilizados pela imprensa tradicional, propiciando assim uma diversidade maior de informações na esfera pública. Estes critérios devem, contudo, assegurar um padrão de credibilidade pois, do contrário, o esforço em falar diretamente à sociedade se perderá no vazio, pela falta de audiência.
A cada dia, novos atores entram neste processo, ao ponto da mídia tradicional se referenciar em conteúdos difundidos por determinadas mídias das fontes, como ocorre normalmente em relação às emissoras legislativas de rádio e tv. Atores sociais que não possuem suas próprias mídias remediam a situação, difundindo programas em mídias tradicionais, via aquisição de espaços na programação – o que ajuda no faturamento destas empresas – por meio de canais comunitários, associativos e até piratas ou, ainda, via mídias das fontes de outros atores sociais. Por exemplo, as entidades representativas dos advogados e dos membros do Ministério Público utilizam o canal de televisão criado pelo Poder Judiciário.

Conclusão

Toda esta realidade pode ser vista como resultante de uma transformação impulsionada pelas facilidades da tecnologia e pela presença massiva dos jornalistas nos serviços de imprensa, protegidos por um enquadramento legal. Ela é motivada pelo desejo de mudança da agenda proposta à opinião pública, quem sabe até por uma desconfiança com relação aos critérios dos gatekeepers. Não fosse a falta de espaço ou o padrão de abordagem de determinados temas, não haveria campo fértil para ela se desenvolver. Em resumo, este fenômeno é uma tentativa de garantir um referencial informativo no seio da sociedade diferente daquele proposto pela imprensa tradicional.
Permanece, contudo um dilema. Qual a natureza da informação difundida pela mídia das fontes? O tema, efetivamente complexo, deve ser analisado sob variadas perspectivas, inclusive pela ótica da construção de imagens, do ganho comercial e do lobbying. Não pode ser ignorada a perspectiva do que os americanos chamam de public journalism. Há ainda os que as vêem como uma resposta da sociedade ao jornalismo de mercado pautado pelas leis de marketing e aqueles que identificam uma hibridação da informação, pela qual os diversos gêneros se mesclam.
Na busca de respostas, questionamos se as mídias das fontes são efetivamente uma reação dos excluídos da mídia ou se elas constituem, na prática, armas para ampliar a força simbólica dos já presentes hegemonicamente na esfera pública.Nossa pesquisa ainda se desenvolve no âmbito de uma tese de doutorado. O objetivo é de tentar esgotar a análise sob perspectivas distintas, dentre elas os conceitos de território profissional e o da notícia jornalística, enquanto informação de interesse público. Estão sendo avaliados também a representação que os jornalistas que trabalham interna e externamente às mídias das fontes têm de tal atividade e se existem métodos da produção jornalística diferenciados. As respostas a tais questões poderão ajudar na visualização do futuro do jornalismo no Brasil e fora dele.

Notes

(1) A Rede Visão, de linha espirira, está disponivel via satelite. A Igreja Católica conta com 190 emissoras de rádio – 112 delas reunidas na RCR-Sat – Rede Católica de Rádio – e seis redes de TV em UHF. Os evangélicos controlam a Rede Record de TV e editam o semanário de maior tiragem do País, a Folha Universal com 2 milhões de exemplares por edição.

(2) Por agenda midiática entendemos a difusão de um conjunto de temas, valores e conceitos propagados de forma prioritária e privilegiada pelos meios de comunicação.

(3) Informação divulgada no 5º Colóquio Internacional de Jornalismo em Linha, organizado pelo Knight Center for Journalism in the Americas, University of Texas, Austin, EUA.

Bibliografia

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Auteur

Francisco Sant’Anna

.: Journaliste professionnel et documentariste au Brésil, DEA en Communication Sociale à la Faculté de Communication de l’Université de Brasília, Doctorant en Information et Communication au Centre de Recherches sur l’Action Politique en Europe – Crape, Univ. Rennes-1. Membre du Sojor – Grupo de Estudos Jornalismo e Sociedade da UnB et du REJ, Réseau d’études sur le journalisme.